O País precisa de uma inevitável reflexão sobre acontecimentos
tão previsíveis como a incapacidade das prefeituras de lidar com o lixo.
Tenho acompanhado atentamente os muitos comentários e análises de
variados especialistas a respeito dos desdobramentos do não cumprimento
do prazo para que os prefeitos de todas as cidades brasileiras dessem um
ponto final aos seus lixões. Nos dias posteriores ao prazo final para o
cumprimento da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, 2 de agosto, foram
divulgados relatórios, realizados eventos e elaboradas inúmeras teorias
para justificar o chocante fato de ainda existirem no Brasil cerca de
3.500 lixões ativos em todas as regiões brasileiras, número cujo
significado é o descumprimento da lei por 60,7% dos municípios.
O resultado a demonstrar o fragoroso descumprimento da lei pela
maioria só surpreendeu os ingênuos. Era notória a falta de movimento e
de ações efetivas de nossas autoridades municipais.
O problema está distribuído por todo o País, quase sem exceções. Só
no Nordeste a existência de lixões ainda é uma realidade em mais de
1.500 municípios. A situação também é grave entre algumas capitais como
Porto Velho, Belém e Brasília. O Distrito Federal representa um caso
vergonhoso, pois tem o chamado Lixão da Estrutural, o maior da América
Latina, com uma extensão correspondente a 170 campos de futebol e altura
equivalente a 50 metros de lixo.
A Lei 12.305, denominada de Lei da Política Nacional de Resíduos
Sólidos, entrou em vigor em 3 de agosto de 2010, concedendo prazo até
agosto de 2012 para os municípios apresentarem seus planos de gestão
integrada de resíduos sólidos (art. 55) e até o último dia 2 de agosto
de 2014 para o encerramento dos lixões (art. 54). A primeira data
relativa à obrigatoriedade das prefeituras para a entrega dos planos já
havia sido amplamente descumprida, portanto, difícil seria imaginar que a
segunda seria contemplada com mais tranquilidade.
E um fato ainda mais interessante e curioso de toda essa discussão é
que não foi a LPNRS a determinar o fim dos lixões em todo o país. A
disposição ambientalmente adequada de rejeitos em aterros sanitários
(locais capazes de evitar contaminações, danos à saúde humana e maiores
impactos ambientais) já estava prevista em uma antiga portaria de número
053/1979 do Ministério do Interior. Ela condenava o descarte em lixões
e, desde 1981, a poluição ambiental passou a ser considerada crime. Anos
mais tarde, a Lei 9.605 de 1998 acrescentou a necessidade de se obter o
licenciamento ambiental para o descarte de materiais, coisa que,
obviamente, nenhum lixão teria condições de conseguir.
Registros históricos à parte, entramos no mês de agosto com uma massa
de prefeitos de todos os cantos do Brasil rotulados como “foras da
lei”. Pela letra fria do texto da LPNRS esses dirigentes municipais que
ainda despejam os resíduos de suas cidades em lixões podem ser presos,
perder o mandato e pagar uma multa de até 50 milhões de reais dependendo
dos variados graus de descumprimento da lei. O município também poderá
deixar de receber repasses de verbas do governo federal, o que seria
fatal para o orçamento de uma quantidade enorme de cidades que dependem
desse dinheiro para sobreviver.
E agora? O que fazer?
Diante desse quadro de cores fortes e perturbadoras, as opções que
estão sendo colocadas de maneira mais incisiva vão da punição imediata
até a extensão do prazo para o cumprimento da lei. A ministra do Meio
Ambiente, Izabella Teixeira, foi uma das primeiras a se manifestar em
nome do governo federal, contra a prorrogação do prazo. No sentido
contrário, uma emenda ao projeto de lei apresentado pelo deputado
federal Manoel Junior (PMDB-PB) joga para mais 8 anos o cumprimento da
lei. Importante lembrar que em ano eleitoral pouca coisa irá mudar se
tivermos que esperar ações do governo ou do Congresso Nacional.
Talvez, antes de definir os novos passos de implementação da lei e
diante dessa nova realidade, melhor seja conhecer com mais detalhes o
que se passou nesse período desde a aprovação da lei no Congresso
Nacional em 2010. Será mesmo possível classificar todos esses milhares
de prefeitos como irresponsáveis e pouco preocupados com a saúde e o
futuro de suas populações?
Bem, não foi isso o que a senadora Vanessa Grazziotin do (PCdoB-AM)
apresentou em seu relatório na Subcomissão Temporária de Resíduos
Sólidos no Senado Federal. Após reunir informações de seis audiências
públicas relacionadas ao tema, ela constatou que existem inúmeros
fatores que levaram ao descumprimento dos prazos, entre os quais, ela
cita o caso do seu estado. No Amazonas, afirma Grazziotin, todos os
municípios apresentaram o planejamento para a desativação dos lixões,
mas não puderam executar por falta de recursos e acesso a verba federal.
Nessa situação seria possível dividir um pouco da responsabilidade
entre o Governo Federal e os municípios.
A própria Confederação Nacional dos Municípios em diversos encontros,
realizados nos últimos anos, revelava a preocupação de seus associados
quanto às dificuldades que encontravam para elaborar seus planos e a
falta de apoio tanto em pessoal técnico qualificado como em garantia de
verbas para coloca-los em prática.
Avanços apesar de tudo
Mas todo esse cenário não é composto apenas de más notícias. Um
estudo da Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Especiais
(Abrelpe) concluiu que, atualmente, 40% de todo o lixo produzido no
Brasil ainda tem destinação inadequada. Só que esses números são bem
mais interessantes que os 88% registrados em 1989, quando os nossos
resíduos produzidos a cada dia tinham como destino lixões a céu aberto
sem qualquer cuidado ou tratamento. Isso graças a chegada da Lei
Nacional de Resíduos Sólidos mesmo com todos os problemas de cumprimento
apresentados até aqui.
Também podemos somar outro grande benefício que são os investimentos
do poder público no apoio às cooperativas de catadores. Hoje o Brasil
possui, segundo a Abrelpe, cerca de 30 mil profissionais cooperados para
um universo de 800 mil catadores que vivem dessa atividade. Pouco
claro, mas que eram menos ainda num passado não tão distante.
É óbvio que os números vinculados aos avanços podem ser vistos como
tímidos e insuficientes. Por outro lado, fechar os olhos para o que foi
conseguido e apenas lamentar e criticar pouco irá contribuir para uma
mudança real nesse estado de coisas. Entre passar a mão na cabeça dos
prefeitos ou puni-los com o rigor e a espada da lei, fico com um meio
termo que busque efetivamente o caminho de uma solução positiva e
duradoura em prol da saúde das pessoas e do meio ambiente.
Reinaldo Canto é jornalista especializado em
Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência
Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras
de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace
Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo
Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e
parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e
palestrante e consultor na área ambiental.
Fonte: Carta Capital.
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