Pelo quinto ano consecutivo, aconteceu em outubro último, a Cúpula
Mundial de Inovação para a Educação – WISE, em Doha, capital do Qatar,
país que começa a ser conhecido como sede da Copa de 2018. O que mais
impressiona neste encontro organizado pela Fundação Qatar, com apoio da
UNESCO, de associações universitárias e outras organizações, é seu
caráter efetivamente mundial: 1200 pessoas entre ministros, educadores,
estudantes, empresários, políticos, pesquisadores e líderes sociais de
mais de cem países se encontram durante três dias em palestras,
workshops e mesas redondas.
O tema do encontro, Reinventar a Educação para a Vida,
indica a perspectiva assumida. Reconhece-se que a educação como se
organiza hoje no mundo – prioritariamente através da escola – precisa
ser reinventada, conectada com a vida, possibilitando a inovação, a
colaboração, a aprendizagem permanente.
Esta é a agenda a que está se dedicando a UNESCO. Irina Bokova,
diretora geral da organização, informou que passados treze anos do
famoso Relatório Delors – Educação, um Tesouro a Descobrir,
a agência compreendeu que era o momento de criar novas linhas de
pesquisa, orientadas pelos Objetivos do Milênio. Grupos de trabalho
regionais estão se reunindo para produzir um novo documento de
referência, sobre a aprendizagem ao longo da vida. Os temas estudados e
debatidos por estes grupos voltam-se para a qualidade da educação, que é
relativa a seu nível de relevância, inovação e flexibilidade, e
objetiva a conquista de cidades educadoras e sociedades do conhecimento
inclusivas. Grande avanço em relação aos discursos que limitam a
qualidade da educação à garantia de desenvolvimento de habilidades
instrumentais supostamente universais.
Dada a agenda política, as diversas seções do encontro se organizaram
em torno de três temas principais: as propostas e experiências que
inovam na educação; o reconhecimento dos esgotamento do modelo escolar; e
a desigualdade social produzida pelo fato de que grande contingentes de
crianças e adolescentes não têm acesso à escola. As duas últimas
parecem contraditórias – se o modelo escolar está esgotado, por que
deveríamos propor que ela se universalizasse? Bem, porque, apesar disso,
as crianças e adolescentes que não estão nas escolas são as que vivem
nas mais graves situações de vulnerabilidade no mundo todo.
Projeto esgotado
Mudar o foco da qualidade da educação – das
habilidades instrumentais para a relevância – implica questionar alguns
modelos consagrados de educação no mundo. Por exemplo, o modelo japonês.
Em uma das seções da WISE, com o sugestivo nome de Acertar arriscando
errar, enquanto o pesquisador inglês Charles Leadbeater, o indiano
Suneet Singh Tuli e o americano Merrick Shaefer, especialista em
inovação do Banco Mundial, faziam o elogio do fracasso, quando este é
parte de um processo de perseverança até o sucesso, o ex-senador japonês
Kotaro Tamura ressaltava que a sociedade japonesa se constrói no
sentido da busca da perfeição, com muito pouca tolerância para os erros
e, portanto, pouco espaço para inovação.
As consequências dos dois posicionamentos para a educação são claras:
se no primeiro caso, busca-se um ambiente educativo que estimula a
curiosidade, o risco, a criatividade, a troca entre os diferentes, a
produção do novo, no segundo, o modelo japonês, o objetivo é ensinar aos
jovens o que já é conhecido, fortalecendo nestes um posicionamento
basicamente conformista. Este segundo modelo, dominante nas escolas do
mundo todo, está agora sendo repensado, já que é preciso criar espaços
para soluções inovadoras a questões sociais e ambientais que estão
colocando em risco o futuro.
Os participantes deste bate-papo lembraram também que, apesar de o
modelo escolar ter muito pouco espaço para a experimentação, o erro e a
descoberta, em relação aos sistemas educativos, há enorme tolerância ao
fracasso. Há décadas, comprova-se em escala mundial que a escola como a
conhecemos é falha e assim mesmo, insistimos no velho modelo do
currículo externo, das séries, disciplinas, provas, notas e salas de
aula. E no que a escola falha? Em debate sobre a alfabetização e o
desenvolvimento das habilidades básicas em matemática, uma mesa que
incluía ex-ministros da educação e pesquisadores, teve que reconhecer o
fracasso mundial das escolas neste aspecto.
Na busca obstinada por reduzir o escopo da escola ao ensino das
habilidades básicas, exercem papel decisivo as avaliações externas, em
sua forma teste e produção de rankings de estudantes, professores,
escolas e países. Trata-se de um dispositivo voltado para o conformismo,
a reprodução, a competição, jamais os caminhos da descoberta, da
investigação e criação. Em uma plenária, Cheng Kai Ming, da Universidade
de Hong Kong, mostrou que os tão elogiados sistemas de Hong Kong,
Singapura e Coréia, sofreram reformas orientadas pelos testes e
rankings, que de fato reduziram cada vez mais o escopo do que é ensinado
nas escolas, deixando de fora tudo que é realmente relevante na vida.
Em outra seção, o indiano Madhav Chavan, da Fundação Pratham, lembrou
que a escola também fracassa em relação a seu objetivo de preparar para
o ingresso na universidade, não o garantindo para a grande maioria dos
que ali se formam. E também em relação à formação para o mundo do
trabalho, como ressaltou Cheng Kai Ming, o modelo escolar forjado na
revolução industrial, já não responde às necessidades do mundo do
trabalho na sociedade do conhecimento. Mas, como medir o sucesso da
aprendizagem em uma perspectiva que valoriza os caminhos da descoberta,
da investigação e da criação? Ai está o grande desafio, já que os
caminhos da descoberta são sempre singulares, avessos a padrões
homogeneizantes. E assim como a avaliação, o currículo também não pode
ser homogêneo, decidido externamente à escola. Ele deveria partir do
interesse daqueles que vão realizá-lo. Isso, sim, seria reinventar a
educação para a vida.
Inovações na educação
Assim sendo, ou se transforma a natureza desta instituição ou ela
deixará de existir diante das novas tecnologias. Afinal, a demanda
social é por educação, não por escolarização. A imensa evasão escolar
entre os adolescentes é um fenômeno mundial e certamente fortalecido por
este esvaziamento do sentido da escola, como lembrou Cheng Kai.
Reinventar a educação para a vida significa criar condições para que
as pessoas possam desenvolver as habilidades necessárias para a
resolução de problemas, para aprender com os erros, para a resiliência,
empatia, aplicação de conhecimentos teóricos na prática. Talvez, como
disse Cheng Kai Ming, o mais importante aprendizado para um futuro
melhor seja como viver juntos, cuidando da família, participando da
comunidade, frequentando grupos.
Angie Motshekga, ministra da Educação Básica da África do Sul,
acrescentou a importância do desenvolvimento emocional, do respeito aos
outros, do compromisso, da capacidade de proteger o ambiente, de ser
ativo e empreendedor. Para a formulação de políticas e programas com
estes objetivos, a ministra reforçou a importância de se ouvir as
crianças. Franciso Claro, da Universidade Católica do Chile, fez coro à
fala da ministra e lembrou da importância de se descobrir e valorizar os
talentos de cada um no processo de encantamento que deve ser a
educação.
A dificuldade é transformar a natureza da escola, uma das mais
rígidas de todas as sociedades. Por isso, Cheng Kai convocou a UNESCO a
pesquisar e divulgar as muitas experiências educacionais escolares e não
escolares que já se voltam para incluir a vida no processo de
aprendizagem, com excelentes resultados.
Uma destas experiências é a Fundação Escuela Nueva, da Colômbia, cuja
fundadora, Vicky Colbert, recebeu o Prêmio WISE 2013. A Escuela Nueva é
uma ONG criada em 1987, que desenvolveu um modelo pedagógico,
primeiramente para as escolas multisseriadas rurais e depois levado para
as escolas urbanas e para as comunidades deslocadas pelos conflitos
civis e por aquelas afetadas por desastres naturais. Usando ferramentas
simples, a Escuela Nova promove a aprendizagem ativa, participativa e
colaborativa, fortalecendo as relações escola-comunidade e estratégias
adaptadas às condições, ritmos e necessidades das crianças. O foco da
metodologia, centrada na criança, no contexto e na comunidade, tem
impactos muito positivos na permanência e aprendizagem do estudante e na
melhoria do ambiente escolar, tal como foi atestado por UNESCO, Banco
Mundial, ONU e agora a Fundação Qatar.
Enfrentamento da desigualdade
O esgotamento do modelo escolar intensifica o processo de exclusão,
na medida em que ficam de fora da escola as crianças e os adolescentes
que não se adaptam a ele, mesmo em países em que haveria escolas
suficientes para todos, como são os casos da Índia e do Brasil.
Transformar a natureza da escola e investir nas novas formas de educação
possibilitadas pelas novas tecnologias são as metas de governos e
organizações determinados a enfrentar as imensas desigualdades sociais.
Mas, isso é tema para outra coluna.
Helena Singer é socióloga com pós-doutorado em Educação, é diretora pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz.
Fonte: Porta Aprendiz.
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