A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Assim
as várias interpretações do acontecimento-Brasil, tidas como clássicas,
revelam o lugar social a partir de onde os muitos intérpretes leem e
releem a nossa realidade.
Simplificando a
questão, quase de forma reducionista, diria que tudo começou já com a
Carta de Pero Vaz de Caminha, com sua leitura ingênua, deslumbrada e
paradisíaca do mundo novo que encontrou. Mas era a visão a partir das
naves de Pedro Álvares Cabral, e não da praia dos indígenas.
A
leitura critica e refletida, no entanto, ganhou corpo já com Joaquim
Nabuco, com seus dois textos clássicos: O Abolicionismo (1883) e Minha
Formação (1900). Sua tese era o binômio homens livres, numa sociedade
livre e com trabalho livre.
Contribuição
inestimável nos deu Gilberto Freyre. Trabalhou a partir da Casa-grande e
da Senzala (1933). O eixo articulador é o patriarcado brasileiro que
tem no escravo de engenho seu contraponto, patriarcado não apenas
entendido como fase fundadora do Brasil mas como força social subjacente
às atuais estruturas sociais.
Sérgio Buarque de
Holanda, com suas Raízes do Brasil (1936) reflete o processo de
industrialização nascente, particularmente no seu ponto mais visível que
era São Paulo. Ai surge uma nova classe ambiciosa – os capitães da
indústria – que lançará as bases do assim chamado Brasil moderno, embora
ainda dependente e associado.
Caio Prado Júnior
com a sua Formação do Brasil Contemporâneo (1942) e A formação Econômica
do Brasil (1945), representa os interesses, as resistências e lutas da
classe operária. Teve o mérito de utilizar as categorias adequadas para
esta leitura, as elaboradas por Karl Marx. Aquilo que não tinha
centralidade nem em Freyre nem em Buarque de Holanda – o proletariado –
ganha aqui especial relevância, dando-nos conta das gritantes
contradições sociais da realidade brasileira.
Na
esteira de Caio Prado Júnior, cabe situar Florestan Fernandes com seu A
revolução burguesa no Brasil (1975). Trata-se de assinalar as novas
relações de poder do capitalismo nascente que ocupará o aparelho de
Estado e a partir dele dirigirá o desenvolvimento brasileiro no
interesse da classe burguesa.
Celso Furtado, o
melhor de nossos economistas, tentou em suas muitas obras, mas
principalmente na Formação Econômica do Brasil (1959) e em Um projeto
para o Brasil (1968), interpretar o país no contexto da macroeconomia
globalizada, sob a hegemonia norte-americana e sua inserção subordinada,
como sócio menor e dependente. Mas sempre sustentou: o “desafio maior é
mudar o curso da civilização, deslocar o seu eixo da lógica dos meios a
serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica
dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da
cooperação, entre os povos” (Brasil: a construção interrompida, 2000,
76). Enquanto esta virada não ocorrer, a construção do Brasil como nação
autônoma será incompleta e o tornará incapaz de ajudar na configuração
de um outro tipo de civilização.
Darcy Ribeiro,
como antropólogo e pensador das culturas em O Povo Brasileiro (1995),
deixou-se impactar pela singularidade do povo brasileiro, feito de
muitos povos, mas principalmente de três: do índio, do negro e do
europeu, que se mesclaram e geraram esse fenômeno antropologicamente
singular da feliz mestiçagem, característica de um povo novo. Esta
mestiçagem serviu de base para propor uma refundação do Brasil, a partir
dele mesmo e com a vocação de ser a Roma dos Trópicos, não uma Roma
imperial e dominadora, mas uma Roma cordial, da conciliação dos opostos,
da convivência sem preconceitos e da abertura ao abraço a todos os
povos.
Conhecendo toda estas leituras, Luiz
Gonzaga de Souza Lima, professor de ciência política, mineiro e por
muitos anos exilado na Itália, avança uma perspectiva original e de
grande força interpretativa com seu texto A Refundação do Brasil: rumo à
Sociedade Biocentrada (Editora Rima, São Carlos 2011). Sua obra é fruto
de uma reflexão detida ao longo de mais de vinte anos, feita a partir
do Brasil mesmo e não de um status teórico elaborado fora, nos centros
metropolitanos de pensamento.
Seu ponto de
partida é o fato brutal, perpetrado pelos europeus que se outorgaram o
direito de invadir e de se apropriar como senhores do território que
aqui encontraram. Dominaram, dizimaram e escravizaram as populações
originárias, superexplorando a natureza. Não aportaram por estas bandas
para fundar aqui uma sociedade, mas para montar uma grande empresa
internacional privada, uma verdadeira agroindústria, destinada a
abastecer o mercado mundial. Ela resultou da articulação entre muitas
forças: políticas, econômicas, financeiras, intelectuais e religiosas,
buscando poder e enriquecimento rápido.
Ocupada a
terra, para cá foram trazidas matrizes (cana de açúcar e depois café),
tecnologias modernas para a época, capitais e mão-de-obra totalmente
escrava, no início indígena e depois africana. Estes foram incorporados
ao trabalho forçado e excluídos dos benefícios sociais. Com razão,
afirma Souza Lima: “O resultado foi o surgimento de uma formação social
original e desconhecida pela humanidade até aquele momento, criada
unicamente para servir a economia; no Brasil nasceu o que se pode chamar
de ‘formação social empresarial’”.
O Estado não
existia. Veio de fora e foi imposto de cima para baixo, e sua função se
destinava a organizar politicamente um território econômico a serviço da
grande empresa Brasil.
Aquilo que não era
permitido às vanguardas européias fazer em seus países, como ocupar, sem
mais nem menos territórios, escravizar pessoas para a produção, no
interesse do lucro, aqui nas ocupações, chamadas colônias, feitorias e
capitanias, foi feito sem qualquer entrave. “A formação social
empresarial era, na realidade, a modernidade nascendo… um software
social moderno em statu nascendi”.
A modernidade
no sentido da utilização da razão produtivista, da vontade de acumulação
ilimitada e da exploração sistemática da natureza, da criação de vastas
populações excluídas e superexploradas nasceu no Brasil e na America
Latina. O Brasil, neste sentido, é novo e moderno desde suas origens,
observa Souza Lima.
A Europa só pôde fazer a sua
revolução, chamada de modernidade, porque foi sustentada pela rapinagem
brutal feita nas colônias como no Brasil. Mas este, uma vez
independente, não mudou sua formação social empresarial. Foi sempre e
habilmente mantida subalterna e incorporada como sócio menor do grande
negócio mundial em conluio com os poderes de aqui.
Todos
os impulsos de desenvolvimento ocorridos ao longo de nossa história não
conseguiram diluir o caráter dependente e associado que resulta da
natureza empresarial de nossa conformação social. O Brasil foi e é
internacionalizado para abastecer as demandas internacionais por
commodities.
A empresa-Brasil é a
categoria-chave, segundo Souza Lima, para se entender a nossa formação
histórica e o lugar que nos é assinalado atualmente na divisão mundial
do trabalho.
Como vê o autor, a chave para o
futuro do Brasil é a superação dos atuais embaraços e a gestação de um
outro software social que nos seja adequado, que nos desenhe um futuro
diferente e que signifique uma efetiva contribuição à fase planetária da
história humana. É nesta parte que Souza Lima se mostra altamente
criativo, diria mesmo, entusiasta.
Parte de um
dado reconhecido por todos e cheio de promessas: a cultura brasileira.
Ela foi elaborada pelos sobreviventes da grande tribulação histórica,
pelos escravos e seus descendentes, pelos indígenas que restaram, pelos
mamelucos, pelos filhos e filhas da pobreza e da mestiçagem. Gestaram
algo singular, não desejado pelos donos do poder que sempre os
desprezaram.
O que se trata agora é refundar o
Brasil como sociedade, “construir, pela primeira vez, uma sociedade
humana neste território imenso e belo; é habitá-lo, pela primeira vez,
por uma sociedade humana de verdade, o que nunca ocorreu em toda a era
moderna, desde que o Brasil foi fundado como uma empresa, a partir da
qual todos os humanos, nativos e forasteiros, foram organizados em
função dela; fundar uma sociedade é o único objetivo capaz de salvar
nosso povo”.
O desfio consiste em passar do
Brasil como Estado economicamente internacionalizado para o Brasil como
sociedade biocentrada: eis a tese central de Souza Lima.
Trata-se
de uma refundação. Como afirma belamente: “refundar é construir uma
organização social que busque e promova a felicidade, a alegria, a
solidariedade, a partilha, a defesa comum, a união na necessidade, o
vinculo, o compromisso com a vida de todos”. Se bem repararmos, todas as
sociedades humanas, enquanto humanas, ao longo de todos os tempos, se
construíram sobre estes valores e não sobre a ganância egoísta e a falta
de solidariedade e de compaixão como é predominante hoje em nível
mundial.
A modernidade entre nós, bem ou mal, nos
ajudou a forjar uma infra-estrutura material que nos concede a
oportunidade de construir uma biocivilização que ama a vida em todas as
suas formas, que convive pacificamente com as diferenças, dotada de
incrível capacidade de integrar e de sintetizar, de criar espaços de
alegria, de festa, de humor, de espírito lúdico e de religiosidade
ecumênica. A felicidade não resulta de coisas e de objetos apropriados,
mas do simples viver em sua espontaneidade e na convivência pacífica com
todos.
É no contexto da civilização mundial se
afundando em suas próprias contradições e perversidades que comparece o
Brasil como um nicho gerador de novos sonhos e da possibilidade real de
realizá-los em harmonia com a Mãe Terra e com toda a comunidade de vida.
Então será a Terra da Boa Esperança, no dizer de Ignacy Sachs que tanto
estuda e ama o Brasil.
O livro associa análise
minuciosa à síntese criadora, os padecimentos da história à esperança de
tempos melhores e representa um cântico de amor ao Brasil e à sua
gente.
CEPRO – Um Projeto de
Cidadania, Educação e Cultura em Rio das Ostras.
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