segunda-feira, 21 de maio de 2012

Brasil: empresa internacional, nova interpretação



A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Assim as várias interpretações do acontecimento-Brasil, tidas como clássicas, revelam o lugar social a partir de onde os muitos intérpretes leem e releem a nossa realidade.

Simplificando a questão, quase de forma reducionista, diria que tudo começou já com a Carta de Pero Vaz de Caminha, com sua leitura ingênua, deslumbrada e paradisíaca do mundo novo que encontrou. Mas era a visão a partir das naves de Pedro Álvares Cabral, e não da praia dos indígenas.

A leitura critica e refletida, no entanto, ganhou corpo já com Joaquim Nabuco, com seus dois textos clássicos: O Abolicionismo (1883) e Minha Formação (1900). Sua tese era o binômio homens livres, numa sociedade livre e com trabalho livre.

Contribuição inestimável nos deu Gilberto Freyre. Trabalhou a partir da Casa-grande e da Senzala (1933). O eixo articulador é o patriarcado brasileiro que tem no escravo de engenho seu contraponto, patriarcado não apenas entendido como fase fundadora do Brasil mas como força social subjacente às atuais estruturas sociais.

Sérgio Buarque de Holanda, com suas Raízes do Brasil (1936) reflete o processo de industrialização nascente, particularmente no seu ponto mais visível que era São Paulo. Ai surge uma nova classe ambiciosa – os capitães da indústria – que lançará as bases do assim chamado Brasil moderno, embora ainda dependente e associado.

Caio Prado Júnior com a sua Formação do Brasil Contemporâneo (1942) e A formação Econômica do Brasil (1945), representa os interesses, as resistências e lutas da classe operária. Teve o mérito de utilizar as categorias adequadas para esta leitura, as elaboradas por Karl Marx. Aquilo que não tinha centralidade nem em Freyre nem em Buarque de Holanda – o proletariado – ganha aqui especial relevância, dando-nos conta das gritantes contradições sociais da realidade brasileira.

Na esteira de Caio Prado Júnior, cabe situar Florestan Fernandes com seu A revolução burguesa no Brasil (1975). Trata-se de assinalar as novas relações de poder do capitalismo nascente que ocupará o aparelho de Estado e a partir dele dirigirá o desenvolvimento brasileiro no interesse da classe burguesa.

Celso Furtado, o melhor de nossos economistas, tentou em suas muitas obras, mas principalmente na Formação Econômica do Brasil (1959) e em Um projeto para o Brasil (1968), interpretar o país no contexto da macroeconomia globalizada, sob a hegemonia norte-americana e sua inserção subordinada, como sócio menor e dependente. Mas sempre sustentou: o “desafio maior é mudar o curso da civilização, deslocar o seu eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação, entre os povos” (Brasil: a construção interrompida, 2000, 76). Enquanto esta virada não ocorrer, a construção do Brasil como nação autônoma será incompleta e o tornará incapaz de ajudar na configuração de um outro tipo de civilização.

Darcy Ribeiro, como antropólogo e pensador das culturas em O Povo Brasileiro (1995), deixou-se impactar pela singularidade do povo brasileiro, feito de muitos povos, mas principalmente de três: do índio, do negro e do europeu, que se mesclaram e geraram esse fenômeno antropologicamente singular da feliz mestiçagem, característica de um povo novo. Esta mestiçagem serviu de base para propor uma refundação do Brasil, a partir dele mesmo e com a vocação de ser a Roma dos Trópicos, não uma Roma imperial e dominadora, mas uma Roma cordial, da conciliação dos opostos, da convivência sem preconceitos e da abertura ao abraço a todos os povos.

Conhecendo toda estas leituras, Luiz Gonzaga de Souza Lima, professor de ciência política, mineiro e por muitos anos exilado na Itália, avança uma perspectiva original e de grande força interpretativa com seu texto A Refundação do Brasil: rumo à Sociedade Biocentrada (Editora Rima, São Carlos 2011). Sua obra é fruto de uma reflexão detida ao longo de mais de vinte anos, feita a partir do Brasil mesmo e não de um status teórico elaborado fora, nos centros metropolitanos de pensamento.

Seu ponto de partida é o fato brutal, perpetrado pelos europeus que se outorgaram o direito de invadir e de se apropriar como senhores do território que aqui encontraram. Dominaram, dizimaram e escravizaram as populações originárias, superexplorando a natureza. Não aportaram por estas bandas para fundar aqui uma sociedade, mas para montar uma grande empresa internacional privada, uma verdadeira agroindústria, destinada a abastecer o mercado mundial. Ela resultou da articulação entre muitas forças: políticas, econômicas, financeiras, intelectuais e religiosas, buscando poder e enriquecimento rápido.

Ocupada a terra, para cá foram trazidas matrizes (cana de açúcar e depois café), tecnologias modernas para a época, capitais e mão-de-obra totalmente escrava, no início indígena e depois africana. Estes foram incorporados ao trabalho forçado e excluídos dos benefícios sociais. Com razão, afirma Souza Lima: “O resultado foi o surgimento de uma formação social original e desconhecida pela humanidade até aquele momento, criada unicamente para servir a economia; no Brasil nasceu o que se pode chamar de ‘formação social empresarial’”.

O Estado não existia. Veio de fora e foi imposto de cima para baixo, e sua função se destinava a organizar politicamente um território econômico a serviço da grande empresa Brasil.

Aquilo que não era permitido às vanguardas européias fazer em seus países, como ocupar, sem mais nem menos territórios, escravizar pessoas para a produção, no interesse do lucro, aqui nas ocupações, chamadas colônias, feitorias e capitanias, foi feito sem qualquer entrave. “A formação social empresarial era, na realidade, a modernidade nascendo… um software social moderno em statu nascendi”.

A modernidade no sentido da utilização da razão produtivista, da vontade de acumulação ilimitada e da exploração sistemática da natureza, da criação de vastas populações excluídas e superexploradas nasceu no Brasil e na America Latina. O Brasil, neste sentido, é novo e moderno desde suas origens, observa Souza Lima.

A Europa só pôde fazer a sua revolução, chamada de modernidade, porque foi sustentada pela rapinagem brutal feita nas colônias como no Brasil. Mas este, uma vez independente, não mudou sua formação social empresarial. Foi sempre e habilmente mantida subalterna e incorporada como sócio menor do grande negócio mundial em conluio com os poderes de aqui.

Todos os impulsos de desenvolvimento ocorridos ao longo de nossa história não conseguiram diluir o caráter dependente e associado que resulta da natureza empresarial de nossa conformação social. O Brasil foi e é internacionalizado para abastecer as demandas internacionais por commodities.

A empresa-Brasil é a categoria-chave, segundo Souza Lima, para se entender a nossa formação histórica e o lugar que nos é assinalado atualmente na divisão mundial do trabalho.

Como vê o autor, a chave para o futuro do Brasil é a superação dos atuais embaraços e a gestação de um outro software social que nos seja adequado, que nos desenhe um futuro diferente e que signifique uma efetiva contribuição à fase planetária da história humana. É nesta parte que Souza Lima se mostra altamente criativo, diria mesmo, entusiasta.

Parte de um dado reconhecido por todos e cheio de promessas: a cultura brasileira. Ela foi elaborada pelos sobreviventes da grande tribulação histórica, pelos escravos e seus descendentes, pelos indígenas que restaram, pelos mamelucos, pelos filhos e filhas da pobreza e da mestiçagem. Gestaram algo singular, não desejado pelos donos do poder que sempre os desprezaram.

O que se trata agora é refundar o Brasil como sociedade, “construir, pela primeira vez, uma sociedade humana neste território imenso e belo; é habitá-lo, pela primeira vez, por uma sociedade humana de verdade, o que nunca ocorreu em toda a era moderna, desde que o Brasil foi fundado como uma empresa, a partir da qual todos os humanos, nativos e forasteiros, foram organizados em função dela; fundar uma sociedade é o único objetivo capaz de salvar nosso povo”.

O desfio consiste em passar do Brasil como Estado economicamente internacionalizado para o Brasil como sociedade biocentrada: eis a tese central de Souza Lima.

Trata-se de uma refundação. Como afirma belamente: “refundar é construir uma organização social que busque e promova a felicidade, a alegria, a solidariedade, a partilha, a defesa comum, a união na necessidade, o vinculo, o compromisso com a vida de todos”. Se bem repararmos, todas as sociedades humanas, enquanto humanas, ao longo de todos os tempos, se construíram sobre estes valores e não sobre a ganância egoísta e a falta de solidariedade e de compaixão como é predominante hoje em nível mundial.
A modernidade entre nós, bem ou mal, nos ajudou a forjar uma infra-estrutura material que nos concede a oportunidade de construir uma biocivilização que ama a vida em todas as suas formas, que convive pacificamente com as diferenças, dotada de incrível capacidade de integrar e de sintetizar, de criar espaços de alegria, de festa, de humor, de espírito lúdico e de religiosidade ecumênica. A felicidade não resulta de coisas e de objetos apropriados, mas do simples viver em sua espontaneidade e na convivência pacífica com todos.

É no contexto da civilização mundial se afundando em suas próprias contradições e perversidades que comparece o Brasil como um nicho gerador de novos sonhos e da possibilidade real de realizá-los em harmonia com a Mãe Terra e com toda a comunidade de vida. Então será a Terra da Boa Esperança, no dizer de Ignacy Sachs que tanto estuda e ama o Brasil.

O livro associa análise minuciosa à síntese criadora, os padecimentos da história à esperança de tempos melhores e representa um cântico de amor ao Brasil e à sua gente.


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