É muito frequente ouvirmos de pais, ou até mesmo de profissionais,
comentários de que são contra diagnóstico, avaliação ou mesmo testes,
pois tudo isso só serve para rotular seus filhos, pacientes ou alunos.
Lançar
outro olhar sobre a questão é necessário, porque sabemos que rotulados
eles já estão. Se não soubermos o que ocorre com a criança (ou jovem),
como poderemos ajudá-la a aprender da melhor forma? Ou – o que é ainda
mais importante – ajudá-la a aprender da forma que lhe é possível? Com
tantos avanços das neurociências,não é mais época de ficarmos tentando
acertar por ensaio e erro.
É nesse sentido que a avaliação
neuropsicológica e avaliação multidisciplinar (neuropsicológica,
psicopedagógica e fonoaudiológica) realizada pela ABD – para o
diagnóstico da dislexia – é essencial e faz a diferença para a
aprendizagem e desenvolvimento dessa criança.
Considerarei aqui o
papel do diagnóstico do disléxico, principalmente em relação a ele
mesmo. Na realidade, sabemos que há muitas implicações para a escola,
meio social, enfim para a vida (fica para uma próxima reflexão).
A
nossa experiência nos permite afirmar que após a criança receber a
informação de que é disléxica e entender o real significado disso, sente
um grande alívio. Afinal, ela compreende que não é “culpada” dessa
dificuldade, nem é burra ou outra hipótese terrível fantasiada por ela.
Começa, assim, a tirar o peso que esmagava sua auto-estima. Recordo-me
inclusive de uma frase de uma criança de nove anos: “Tia, você tirou o
mundo das minhas costas”.
O próximo passo será o acompanhamento.
No caso do atendimento psicopedagógico, surgem dúvidas: será que isso
adianta mesmo? Alguns pais se reconhecem na dificuldade dos filhos e
argumentam que “se viraram” sozinhos. Vale perguntar: a que custo
emocional?
E quais são os objetivos do atendimento? Em linhas
gerais o portador de dislexia aprenderá a organizar-se em relação às
atividades escolares, perceber-se como agente de seu processo de
aprendizagem; aprender o como fazer, como estudar, resumir, resolução de
problemas e estratégias de estudo. A estruturação do trabalho baseia-se
naquilo que foi apontado na avaliação, habilidades e dificuldades.
Essas serão abordadas de forma sistemática e contínua com o uso dos mais
diferentes recursos. As funções cognitivas de atenção e memória também
devem ser enfatizadas. Além disso, é feito um trabalho para percepção de
competências visando melhorar a auto-estima e segurança em relação às
atividades escolares, propiciando, assim, melhor vínculo com a escola e o
aprender.
Usarei para explicar o significado do atendimento
psicopedagógico ao disléxico uma paráfrase da simbologia do milho da
pipoca, citada por Rubem Alves em seu livro “O amor que acende a lua”:
“A pipoca é um milho mirrado , subdesenvolvido que, para alguém que não
conheça, parecerá que não pode competir com os grãos normais, graúdos.
No entanto, aqueles grãos duros, quebra-dentes, após passarem pelo poder
do fogo, transformam-se em pipoca macia”.
O milho da pipoca não é
o que deve ser: apenas aquele grão fechado em sua casca dura. Na
verdade, ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro, de uma
beleza de flor, estourando alegria e pipocando para a vida.
Vamos,
pois eliminar o rótulo de preguiçoso, burro e vagabundo de nossas
crianças e favorecer, no calor do atendimento psicopedagógico, a
transformação daquele milho duro e feio, na pipoca macia, em flor.
Áurea Maria Stavale Gonçalves é neuropsicóloga, psicopedagoga e membro do Centro e Avaliação e Encaminhamento da Associação Brasileira de Dislexia.
Fonte: Saúde em Pauta.
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