Em meados de
janeiro de 2011 publiquei um artigo sobre a necessidade da responsabilidade
socioambiental por parte do poder público como já existe a responsabilidade
fiscal, que funciona relativamente bem. Era em função do tsunami que se abateu
sobre as cidades serranas de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis com cerca
de 900 mortos e mais de 25 mil desabrigados: gente que perdeu familiares, as
casas e pertences.
Passados
dois anos, somente agora começou-se a construir algumas casas. Com indignação o
digo: houve irresponsabilidade e desumanidade do poder público em vários níveis.
Como se trata de gente do povo, a maioria pobre, socialmente, não conta. Seu
sofrimento não é sentido e respeitado. Ouvi de políticos a justificativa: "os
pobres sabem se defender como sempre, eles se viram, é só esperar.”
Contra esse
crime de lesa-humanidade e de total falta de sentido de solidariedade, precisamos
nos indignar e protestar. E dá vontade de realizar o que um dia o bispo de 84
anos, muito doente, pastor, profeta e poeta, ameaçado de morte, em São Felix do
Araguaia MT sugeriu: deveríamos reunir crianças, poetas e loucos (pois esse
Deus ouve) para amaldiçoar os responsáveis pela perpetuação da desgraça das
vítimas.
Nestes
inícios de janeiro do corrente ano assistimos outro tsunami em Xerém, no
município de Caxias, logo no início da estrada que sobre para Petrópolis. A cabeça
d’água ocorrida no topo do morro, inundou o pequeno rio, criou uma onda de
água, pedra, troncos e lama que arrasou casas, ceifou vidas e deixou centenas
de desabrigados. Algo semelhante ocorreu em Angra dos Reis, e em menor escala
em Petrópolis.
Mais que o
poder político foi um cantor popular e artista Zeca Pagodinho que mantém casa e
escola em Xerém que mais mobilizou a solidariedade das pessoas. Sabemos que o
poder público só funciona como panela de pressão: só colocado sob pressão
permanente, insistindo, cobrando, chateando, incomodando, como a viúva da
Bíblia, que ele abandona sua inércia e deixa de usar os álibis da burocracia e
começa a fazer alguma coisa. Assim deverá ser feito agora, caso contrário,
assistiremos o mesmo drama pelo qual estão passando as cidades serranas.
O acúmulo de
desastres socioambientais ocorridos nos últimos tempos, com desabamentos de
encostas, enchentes avassaladoras e centenas de vítimas fatais junto com a
destruição de inteiras paisagens, nos obrigam a pensar na instauração de uma
lei nacional de responsabilidade socioambiental, como existe a lei de
responsabilidade social, com pesadas penas para os que não a respeitarem.
Já se deu um
passo com a consciência da responsabilidade social das empresas. Elas não podem
pensar somente em si mesmas e nos lucros de seus acionistas. Devem assumir uma
clara responsabilidade social.
Mas fique
claro: responsabilidade social não é a mesma coisa que obrigação social prevista em lei quanto ao pagamento dos impostos,
dos encargos e dos salários; nem pode ser confundida com a resposta social que é a capacidade das empresas de criativamente se
adequarem às mudanças no campo social, econômico e técnico. A responsabilidade
social é a obrigação que as empresas assumem de buscar metas que, a meio e
longo prazo, sejam boas para elas e também para o conjunto da sociedade na qual
estão inseridas.
Não se trata
de fazer para a sociedade o que seria
filantropia, mas com a sociedade, se
envolvendo nos projetos elaborados em comum com os municípios, ONGs e outras
entidades.
Mas sejamos
realistas: num regime neoliberal como o nosso, sempre que os negócios não são
tão rentáveis, diminui ou até desaparece a responsabilidade social. O maior
inimigo da responsabilidade social é o capital especulativo. Seu objetivo é
maximizar os lucros das carteiras que controlam. Não veem outra
responsabilidade, senão a de garantir ganhos.
Mas a
responsabilidade social é insuficiente, pois ela não inclui o ambiental. São
poucos os que perceberam a relação do social com o ambiental. Ela é intrínseca.
Todas as empresas e cada um de nós vivemos no chão, não nas nuvens: respiramos,
comemos, bebemos, pisamos os solos, estamos expostos à mudanças dos
climas,mergulhados na natureza com sua biodiversidade, somos habitados por
bilhões de bactérias e outros micro-organismos. Quer dizer, estamos dentro da
natureza e somos parte dela. Ela pode viver sem nós como o fez por bilhões de
anos. Nós não podemos viver sem ela. Portanto, o social sem o ambiental é
irreal. Ambos vêm sempre juntos. Esta foi a grande tônica na Cúpula dos Povos
no Rio em julho de 2012.
Isso que
parece óbvio, não o é para a grande parte das pessoas. Por que tratamos a natureza
como externalidade, quer dizer, aquilo não entra no cômputo dos negócios? A
razão reside no fato de que somos todos antropocêntricos, isto é: pensamos
apenas em nós próprios. A natureza é exterior como se não fôssemos parte dela.
Por isso a superexploramos.
Somos
irresponsáveis face à natureza quando desmatamos, jogamos bilhões e litros de
agrotóxicos no solo; lançamos na atmosfera, anualmente, cerca de 30 bilhões de
toneladas de gases de efeito estufa, contaminamos as águas, destruímos a mata
ciliar, não respeitamos o declive das montanhas que podem desmoronar e matar
pessoas nem observamos o curso dos rios com as margens que eles precisam, que
nas enchentes podem levar tudo de roldão.
Não
interiorizamos o fato de que cada ser possui valor intrínseco e por isso têm
direitos. Nossa democracia não pode incluir apenas os seres humanos. Sem os outros
membros da comunidade de vida, os animais, as plantas, os rios, os
micro-organismos do solo, não somos nada. Eles valem como novos cidadãos que
devem ser incorporados na nossa compreensão de democracia que então será uma
democracia socioambiental. A natureza e as coisas dão-nos sinais. Elas nos
chamam atenção para os eventuais riscos que podemos evitar.
Não basta a
responsabilidade social, ela deve ser socioambiental.
É urgente que o Parlamento cresça em consciência ecológica, desperte para a
nova visão da relação homem-natureza-Terra e vote uma lei de responsabilidade
socioambiental, imposta a todos os gestores da coisa pública. Só assim
evitaremos tragédias e mortes como as ocorridas agora em Xerém, em Petrópolis e
Angra dos Reis.
CEPRO – Um
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