Por Leonardo Boff
Há mais de quinze anos atrás publiquei no Jornal do Brasil, hoje existindo apenas pela internet online, um
artigo com o título "Rejuvenescer como águias”. Relendo aquelas reflexões me
dei conta de como elas são ainda atuais e adequadas aos tempos maus sob os
quais vivemos e sofremos. Retomo-as para alimentar nossa esperança enfraquecida
pelas ameaças que pesam sobre a Terra e a Humanidade. Se não nos agarrarmos a
alguma esperança, perdemos o horizonte de futuro e corremos o risco de nos
entregarmos ao desamparo imobilizador ou à resignação estéril.
Neste contexto lembrei-me de um mito da antiga cultura mediterrânea
sobre o rejuvenescimento das águias.
De tempos em tempos, reza o mito, a águia, como a fênix egípcia, se
renova totalmente. Ela voa cada vez mais alto até chegar perto do sol. Então as
penas se incendeiam e ela toda começa a arder. Quando chega a este ponto, ela
se precipita do céu e se lança qual flecha nas águas frias do lago. E o fogo se
apaga. Mas através desta experiência de fogo e de água, a velha águia
rejuvenesce totalmente: volta a ter penas novas, garras afiadas, olhos
penetrantes e o vigor da juventude. Seguramente este mito constitui o substrato
cultural do salmo 103 quando diz:”O Senhor faz com que minha juventude se
renove como uma águia”.
E aqui precisamos revisitar C.G. Jung que entendia muito de mitos e de
seu sentido existencial. Segunda esta interpretação, fogo e água são opostos.
Mas quando unidos, se fazem poderosos símbolos de transformação.
O fogo simboliza o céu, a consciência e as dimensões masculinas no homem
e na mulher. A água, ao contrário, a terra, o inconsciente e as dimensões femininas
no homem e na mulher.
Passar pelo fogo e pela água significa, portanto, integrar em si os
opostos e crescer na identidade pessoal. Ninguém ao passar pelo fogo ou pela
água permanece intocado. Ou sucumbe ou se transfigura, porque a água lava e o
fogo purifica.
A água nos faz pensar também nas grandes enchentes como conhecemos em
2010 nas cidades serranas do Estado do Rio. Com sua força tudo carregaram,
especialmente o que não tinha consistência e solidez. São os infortúnios
davida.
E o fogo nos faz imaginar o cadinho ou as fornalhas que queimam e
acrisolam tudo o que é ganga e não é essencial. São as notórias crises
existenciais. Ao fazermos esta travessia pela "noite escura e medonha”, como
dizem os mestres espirituais, deixamos aflorar nosso eu profundo sem as ilusões
do ego. Então amadurecemos para aquilo que é em nós autenticamente humano e
verdadeiro. Quem recebe o batismo de fogo e de água rejuvenesce como a águia do
mito antigo.
Mas abstraindo das metáforas, que significa concretamente rejuvenescer
como a águia? Significa entregar à morte todo o velho que existe em nós para
que o novo possa irromper e fazer o seu curso. O velho em nós são os hábitos e
as atitudes que não nos engrandecem: a vontade de ter razão e vantagem em tudo,
o descuido consigo mesmo, com a casa, com nossa linguagem e com o desrespeito
para com a natureza, bem como a falta de solidariedade para com os
necessitados, próximos e distantes. Tudo isso deve ser entregue à morte para
podermos inaugurar uma forma de convivência com os outros que se mostre
generosa e cuidadosa com anossa Casa Comum e com o destino das pessoas. Numa
palavra, significa morrer e ressuscitar.
Rejuvenescer como águia significa também desprender-se de coisas que um
dia foram boas e de ideias que foram luminosas mas que lentamente, com o passar
dos anos, se tornaram ultrapassadas e incapazes de inspirar um caminho para o
futuro. A crise atual perdura e se aprofunda porque os que controlam o poder
tem conceitos velhos, incapazes de oferece respostas.
Rejuvenescer como águia significa ter coragem para recomeçar e estar
sempre aberto a escutar, a aprender e a revisar. Não é isso que nos propomos a
cada novo ano?
Que o ano de 2013 que se inaugura, seja oportunidade de perguntar o
quanto de galinha existe em nós que não quer outra coisa senão ciscar o chão e
o quanto de águia há ainda em nós, disposta a rejuvenescer ao confrontar-se
valentemente com os tropeços e as crises da vida e buscar um novo paradigma de
convivência.
E não podemos esquecer aquela Energia poderosa e amorosa que sempre nos
acompanha e que move o inteiro universo. Ela nos habita, nos anima e confere
permanente sentido de lutar e de viver.
Que o Spiritus Creator nunca nos falte!
CEPRO – Um
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