CPT Nacional
Comisão Pastoral da Terra. Assessoria de Comunicação. Secretaria Nacional.
País lidera ranking mundial de
uso de venenos na agricultura, prática impulsionada pelo agronegócio
Por
Cleber Folgado
Charges:
Arquivo Coletivo de Comunicadores da Campanha contra os Agrotóxicos
Desde 2008, o Brasil é o maior
consumidor de agrotóxicos do mundo. As quantidades jogadas nas lavouras
equivalem a cerca de 5,2 litros de veneno por habitante ao ano e, no entanto, o
Brasil representa apenas 5% da área agrícola entre os 20 maiores países
produtores agrícolas do mundo; ou seja, nossa produtividade não justifica nossa posição de
"liderança” no ranking de uso de venenos.
Essa quantidade absurda de
venenos não se deu de forma natural. Ao contrário, é resultado de um processo
de imposição que surge com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os restos de
armas químicas utilizados na guerra foram adaptados para a agricultura com o
objetivo principal de resolver o problema das empresas que ficariam com seus estoques e
complexos industriais obsoletos com o fim da guerra. Esse processo,
ocorrido em nível mundial, ficou conhecido como Revolução Verde.
No Brasil, para que esse
processo fosse efetivado, teve papel determinante a criação do Sistema Nacional
de Crédito Rural, em 1965, que vinculava a obtenção de crédito agrícola à
obrigatoriedade da compra de insumos químicos pelos agricultores. Outro
elemento chave foi a criação do II Programa Nacional de Desenvolvimento em
1975, que por sua vez disponibilizou recursos financeiros para a criação de
empresas nacionais produtoras de agrotóxicos, bem como a instalação de
subsidiárias de empresas transnacionais de insumos agrícolas.
Além disso, é importante
lembrar que até 1989 – quando foi aprovada a lei 7.802 – tínhamos no país um
marco regulatório defasado, o que facilitou o registro de centenas de
substâncias tóxicas, muitas das quais já proibidas em outros países.
O uso de agrotóxicos causa um
desequilíbrio ambiental que torna os agricultores e camponeses vítimas de um
ciclo vicioso, em que a cada dia as "pragas” geradas pelo próprio uso de
agrotóxicos exigem que sejam feitas aplicações com mais frequência, e com
maiores doses.
Pronaf
O Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) é mais um exemplo de como o
sistema de crédito agrícola está submisso ao pacote tecnológico, pois para que
os agricultores acessem linhas de crédito para custeio e investimento no
sistema produtivo, é preciso apresentar as notas de comprovação das compras de
agrotóxicos, bem como outros insumos, sob o risco de não ter os recursos
liberados pelo banco. Este processo fez com que o uso de venenos agrícolas
fosse imposto aos pequenos agricultores. Ainda que existam linhas de crédito do
Pronaf destinadas a uma produção sem veneno, em geral a burocracia para a
liberação destes recursos é enorme, bem como é pequena a quantidade de recursos
disponíveis.
No entanto, a grande
quantidade de agrotóxicos utilizada no país é resultado das plantações do
agronegócio, que é dependente do uso de venenos, já que não se pode garantir a
produção de monocultivos sem a aplicação destes produtos. Segundo dados do
ultimo Censo Agropecuário do IBGE, 30% das pequenas propriedades declararam
usar agrotóxicos, enquanto que 70% das grandes propriedades adotam esta
prática.
O aumento do uso de
agrotóxicos no Brasil é reflexo direto da prioridade que o governo deu ao
modelo de agricultura adotado pelo agronegócio, que tem a produção monocultora
voltada para a exportação com base nas grandes propriedades, com utilização de
maquinários pesados que degradam o meio ambiente, e com uso intensivo de
agrotóxicos. Essa forma de produzir, ao longo dos anos, tem gerado sérios
problemas no campo brasileiro: um dos principais é a contaminação das pessoas e
do meio ambiente.
O crescimento desenfreado de
uso de agrotóxicos no Brasil aumentou, principalmente, no período de liberação
das sementes de variedades transgênicas, pois a maioria destas sementes é
adaptada para utilização de algum tipo de agrotóxico. Segundo dados do IBGE e
do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag),
entre 2004 e 2008 o crescimento da área cultivada no país foi de 4,59%,
enquanto que no mesmo período o crescimento das quantidades de agrotóxicos
vendidas foi de 44,6% – um aumento de quase dez vezes.
Saúde
Um relatório apresentado pela
Subcomissão Especial Sobre o Uso de Agrotóxicos e Suas Consequências à Saúde,
instalada pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados,
afirma que os agrotóxicos representam um conjunto de problemas que afetam
diretamente toda a população brasileira, apresentando vários dados que
comprovam os problemas na saúde e no meio ambiente.
De acordo com o documento,
11,2 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar grave e reportaram
alguma experiência de fome, e outros 14,3 milhões de brasileiros estão sofrendo
insegurança alimentar moderada, quando há limitação de acesso quantitativo aos
alimentos. Assim, 25,5 milhões de pessoas no nosso país vivem sob risco
alimentar de moderado a grave.
De acordo com dados
disponibilizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à
Subcomissão, o crescimento do consumo de agrotóxicos no mundo aumentou quase
100%, entre os anos de 2000 e 2009. No Brasil, a taxa de crescimento atingiu
quase 200%, quando considerado o montante de recursos despendidos.
As pressões exercidas sobre o
governo por parte das empresas produtoras de agrotóxicos são enormes, em
especial sobre os órgãos de regulação. Este processo vem acompanhado com
constantes propostas de flexibilização da legislação existente, principalmente no que diz respeito à
liberação de novos registros de agrotóxicos. Atualmente existem 2.195 produtos
registrados no Brasil, mas só 900 são comercializados. Os registros são de
titularidade de 136 empresas diferentes. São cerca de 430 ingredientes ativos
registrados. A comercialização desses produtos no país movimentou recursos da
ordem de 7,3 bilhões de dólares, somente no ano de 2009. Frente a estes
números, podemos compreender com facilidade o porquê de tanta pressão.
Como forma de enfrentar este
quadro, no início de 2012 a presidenta Dilma se comprometeu com a constituição
de um Grupo de Trabalho Interministerial que teria a tarefa de elaborar um
Plano Nacional de Enfrentamento ao Uso dos Agrotóxicos. Infelizmente, esse
grupo teve apenas uma reunião, ainda no primeiro semestre, e não mais se
reuniu.
Governo
A posição do governo frente à
questão dos agrotóxicos tem sido bastante frouxa, principalmente se
consideramos a dimensão que o problema atinge. A única medida contundente em
relação aos agrotóxicos acaba de ser derrotada: em julho de 2012, havia sido
publicada no Diário Oficial da União (DOU) uma medida cautelar do Ibama que determinava uma série
de condições para a aplicação aérea de agrotóxicos, e proibia o uso dos
ingredientes ativos Imidacloprido, Fipronil, Tiametoxan e Clotianidina. Segundo
dados do Ibama, os quatro princípios ativos correspondem a 10% do consumo
brasileiro de defensivos, ou quase 7 mil toneladas de um total de 74 mil
toneladas em 2011. Infelizmente, o governo cedeu frente às pressões exercidas
pelo agronegócio (principalmente os setores organizados na CNA), e em 3 de
outubro de 2012 publicou um ato conjunto do Ministério da Agricultura e do
Ibama autorizando, em caráter temporário, o uso de produtos agrotóxicos que contenham
Imidacloprido, Tiametoxan e Clotianidina para arroz, cana-de-açúcar, soja e
trigo até o dia 30 de junho de 2013, obedecendo a períodos específicos de aplicação por região e
por cultura. No dia 17 de dezembro de 2012, o Ministério da Agricultura apresentou
uma proposta de regulação para as aplicações aéreas de produtos agrotóxicos que
contêm Imidacloprido, Tiametoxam, Clotianidina e Fipronil para as culturas de
algodão e de soja. Tal proposta teria sido construída entre Ibama e Ministério
da Agricultura e, segundo o jornal Valor Econômico, a regulamentação será
publicada em breve no DOU por meio de uma Instrução Normativa (IN).
Este não é o único caso que
explicita a conivência do governo federal com as exigências feitas pelo
agronegócio. Em novembro de 2012, vimos o gerente geral de Toxicologia da
Anvisa, Luiz Claudio Meireles, ser exonerado por ter denunciado um esquema de
corrupção existente dentro do órgão, que facilitava o registro de agrotóxicos
para algumas empresas. A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
– composta por mais de 60 entidades nacionais, entre elas Via Campesina,
Contag, Fiocruz, Consea, Abrasco e Inca, entre outras – protocolou pedido de
audiência com alguns ministérios e com o centro do governo para tratar do assunto,
mas não foi recebida.
No Congresso Nacional, uma das
principais investidas do agronegócio é representada pela Comissão de
Agricultura e Reforma Agrária do Senado, que tem exigido a criação de uma
Agência Nacional de Agrotóxicos, que passaria a ser responsável pela liberação
do registro dos venenos. Hoje, essa atribuição é determinada pela Lei nº
7.802/89, que divide as responsabilidades entre Anvisa, Ibama e Ministério da
Agricultura.
Ademais, as facilidades
criadas no último período para a liberação de sementes transgênicas dependentes
do uso de agrotóxicos também demonstram a clara opção do governo pelo
agronegócio.
Apesar das contradições
existentes, uma conquista importante no processo de construção de uma nova
forma de produzir alimentos sem o uso de agrotóxicos é a construção da Politica
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), fruto da luta das
organizações e da sociedade civil organizada que ao longo dos anos vem exigindo
e apontando alternativas frente ao modelo hegemônico de agricultura. No
entanto, é importante destacar que a Pnapo é insuficiente, pois não tem condições
de garantir um processo massivo de transição para a agroecologia e, além disso,
se torna frágil na medida em que não existe uma política nacional de
enfrentamento ao uso de agrotóxicos, uma vez que as propriedades que adotarem
uma forma de produção sem venenos estarão suscetíveis a possíveis contaminações
de agrotóxicos utilizados em outras propriedades próximas. A legislação
existente, que poderia proteger as áreas de produção orgânicas e
agroecológicas, é fraca e constantemente desrespeitada.
Nos últimos anos, embora a
sociedade tenha emitido claros sinais de que aumentou sua percepção em relação
aos problemas gerados pelos agrotóxicos, as iniciativas do governo e dos
alia-dos do agronegócio no Congresso Nacional têm andado na contramão. Os
próximos anos serão de muita luta nesse campo; há, por exemplo, vários projetos
de lei tramitando, e pouquíssimos deles objetivam diminuir ou controlar o uso
abusivo de agrotóxicos. Pelo contrário, a maioria propõe a flexibilização da lei de
agrotóxicos.
Em 2013, esperamos que a
sociedade possa se organizar cada vez mais para enfrentar as disputas que virão
em relação a este tema; afinal, não podemos deixar que o país se torne uma lixeira tóxica mundial.
[Cléber Folgado é dirigente do MPA/Via Campesina e
Coordenador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida].
Fonte: Adital
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