por Rafael Soriano, do MST/Via Campesina
Mais de 80 mil homens e mulheres formaram um mar de pessoas que,
organizadas, cobriram a avenida Rio Branco no Centro do Rio de Janeiro,
desde a Candelária até a Cinelândia. A mobilização global convocada pelo
Grupo de Articulação da Cúpula dos Povos e engrossada por diversos
movimentos e pela população do Rio de Janeiro foi o marco do levantar
das vozes dos povos de todo o mundo contra o teatro barato encenado na
conferência oficial, a Rio+20, por chefes de Estado e grandes
corporações, incapazes de promover justiça social e ambiental.
Num chamado à unidade de toda a classe trabalhadora mundial, o
dirigente da Via Campesina, João Pedro Stédile, convocou o grande
contingente a um pacto histórico: “propomos o pacto do Rio de Janeiro
dos povos em luta, para que voltemos para nossos locais de origem e
façamos todos os dias lutas contra os inimigos certos”. Stédile alerta
para o mundo que os grandes poluidores, usurpadores dos recursos
naturais dos povos, que destroem a vida na Terra, tem “nome e sobrenome,
é o capitalismo, as grandes transnacionais, Monsanto, Cargil, os
bancos!”
O líder Sem Terra alerta para o momento em que vivemos, de
capitalismo em crise, quando os capitalistas ficam mais gananciosos.
“Avançam para querer se apoderar dos recursos do mundo, para se
protegerem da crise e, em seguida, com a privatização da terra, água e
até do ar (com os créditos de carbono), poderem retomar seus ciclos de
usurpação”, explicou. No entanto, frente a um contingente jamais visto
em lutas nas ruas do país desde 1989, deixou a esperança de que novos
tempos podem estar se anunciando, no qual os povos, “cansados das
políticas do neoliberalismo, caminham por suas próprias pernas”.
Os gritos de todas as comunidades, movimentos e povos em luta foram
ouvidos ao longo da manifestação, que pautou o fim deste sistema de
exploração do trabalho e dos recursos naturais até esgotá-los, a
construção de novos paradigmas, como a alternativa da Agroecologia na
alimentação do planeta, os direitos, culturas e demandas dos povos.
Trazendo o que chamou de calor revolucionário dos povos do Caribe,
Camille Chalmers, do Haiti, foi enfático ao exigir o fim do colonialismo
em países como Curaçao e Porto Rico, do neocolonialismo sofrido pelo
Haiti e esbravejou: “as tropas da ONU devem sair do Haiti já!”
Os milhares de homens e mulheres, camponeses, urbanos, de todos os
confins do planeta faziam coro contra a “economia verde”, proposta dos
bancos e chefes de Estado para o planeta: o capitalismo travestido de
sustentabilidade. Iniciativas como os REDD ou mesmo a farsa dos créditos
de carbono, que financeirizam a própria vida e o meio ambiente, foram
rechaçadas pelas populações que ora convergem para uma plataforma
mundial de soluções apresentadas e já praticadas pelos próprios povos do
mundo para “esfriar o planeta” a partir da agricultura camponesa e um
novo marco econômico.
Para Elizabeth Mpofu, que veio do Zimbábue na delegação da Via
Campesina Internacional, “a Rio +20 deveria se chamar Rio -20! A
economia Verde não é solução, pois somente serve às transnacionais, não
respeita os Direitos Humanos, não respeita as gentes. Cria, por sua vez,
uma agenda de destruição. Nós vamos destruir esta agenda”. A militante
exemplificou como a concentração de terras é um dos problemas mais
sérios do mundo, citando o caso recente do Paraguai em que, assim como
outros semelhantes, viu tombar lideranças camponesas que contrariam o
latifúndio devastador.
Durante o grande ato, o evento oficial da ONU foi lembrado,
destacando-se o desprestígio das principais economias dos países do
Norte para com os “governos puxa-sacos do Imperialismo”, que se
encontram na Rio +20. Foi questionada a cessão por parte do governo
brasileiro de um aporte de US$ 10 bilhões (dez bilhões de dólares) ao
fundo de resgate dos bancos europeus em crise. No total, somando as
colaborações de todos os países do G-20, serão desprendidos US$ 456 bi
dos cofres públicos para a crise do capitalismo.
Enquanto os diplomatas e chefes de Estado de uma centena de países se
encontraram para redigir um único documento (que não prevê punições e
metas para os poluidores), um sem número de organizações da sociedade
promovem a Cúpula dos Povos, por Justiça Social e Ambiental e em Defesa
dos Bens Comuns. Além de grandes mobilizações de rua, acontece uma série
de debates e momentos de convergência nos eixos que englobam as
denúncias das reais causas da crise, as soluções já praticadas pelos
povos e as agendas e unidades para a luta nos próximos períodos.
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