quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Trabalho escravo, quando acaba?


Em janeiro de 2004, três auditores fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados em Unaí (MG) ao investigarem trabalho escravo em uma lavoura de feijão. Em janeiro próximo se completam 9 anos de impunidade. Até agora ninguém foi condenado pela chacina que tirou as vidas dos auditores Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva, e do motorista Ailton Pereira da Silva.
O Brasil possui uma eficiente fiscalização do trabalho degradante. O Grupo Móvel atua desde 1995 e, a partir de 2003, já libertou mais de 35 mil trabalhadores, segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

Há obstáculos permanentes a enfrentar, como aponta meu confrade Xavier Plassat (Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2008), como a burocracia que atrasa a apuração de denúncias; dificuldades operacionais para agilizar a Polícia Federal, que atua como polícia judiciária; resistência de algumas superintendências regionais a fiscalizações efetivas.

A fiscalização, entretanto, tem melhorado. Apenas 1/3 das denúncias continua sem investigação. Isso não significa que libertar trabalhadores faz cessar a escravidão. Ela deita raízes profundas no solo brasileiro: tivemos o mais longo período de escravidão nas Américas, 358 anos (1530-1888) e, hoje, a ganância, a miséria e a impunidade favorecem esse crime hediondo.

A escravidão não ocorre apenas em áreas rurais. Expande-se aos grandes centros urbanos, como em confecções de São Paulo, que exploram a mão de obra de imigrantes bolivianos e asiáticos.

Em 2010, 242 pessoas foram libertadas de situações análogas à escravidão em atividades não agrícolas, como construção civil (175 em obras do PAC!). Na zona rural, 2/3 dos casos, entre 2003 e 2010, ocorreram na pecuária (desmatamento, abertura e manutenção do pasto); 17% em lavouras de cana de açúcar, soja, algodão, milho, café, e reflorestamento; e 10% em carvoarias a serviço de siderurgias.
A maioria dos libertados trabalhava na pecuária e no corte de cana, sobretudo na região amazônica, principalmente nos estado do Pará, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, onde se destaca a voz profética do bispo Dom Pedro Casaldáliga, ainda hoje, aos 84 anos, ameaçado de morte por defender os oprimidos (Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2012).

Por que trabalho escravo em pleno século XXI? O lucro! E quando flagrado, o proprietário finge não saber o que ocorria em suas terras e culpa o capataz. Fazendeiros, parlamentares, magistrados, artistas de TV, figuram entre proprietários rurais que adotam trabalho braçal de baixo custo em condições subumanas – o trabalho escravo.

Daí a dificuldade de a Câmara dos Deputados aprovar, após espera de 8 anos, a emenda constitucional que propõe cancelar a propriedade da terra de quem adota mão de obra escrava. Felizmente, a PEC 438 foi aprovada em maio deste ano e, agora, aguarda aprovação do Senado.

Hoje, o proprietário rural não é mais dono do servo, nem responsável por sua manutenção e reprodução de sua prole, como acontecia no Brasil colonial. Ele usa e abusa da mão de obra escrava, arregimentada sob promessas enganosas, e a descarta três ou quatro meses depois. Carvoeiros, roçadores de pasto e cortadores de cana têm, em pleno século XXI, expectativa de vida inferior aos escravos do século XIX.
O trabalho escravo está presente nas principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro: carne e madeira (metade das denúncias); cana e demais lavouras (metade dos libertados), e carvão vegetal.

Há uma estreita vinculação entre expansão do agronegócio no contexto da economia globocolonizada e a precarização das relações trabalhistas. Eis a contradição, alerta frei Xavier Plassat: o mesmo governo que estimula as monoculturas de exportação corre atrás dos enormes prejuízos que ela provoca, inclusive à imagem do Brasil no exterior.

A OIT (Organização Internacional do Trabalho) calcula que, atualmente, haja no mundo de 12 a 27 milhões de trabalhadores escravos. No Brasil, estima-se em 25 mil o número de pessoas submetidas a condições degradantes de trabalho, inclusive crianças.

É hora de as centrais sindicais descruzarem os braços quanto a essa nódoa do cenário brasileiro.

 Frei Betto é escritor, autor de Alfabetto – Autobiografia Escolar (Ática), entre outros –http://www.freibetto.org – twitter:@freibetto.

Fonte: Adital.


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