Mais de 30% das terras indígenas na Amazônia vão sofrer
algum tipo de impacto com a construção das hidrelétricas previstas para a
região. Na avaliação do procurador Felício Pontes, do Ministério
Público Federal (MPF) no Pará, o projeto do governo brasileiro, que
prevê a instalação de 153 empreendimentos nos próximos 20 anos, também
vai afetar a vida de quase todas as populações tradicionais amazonenses.
“Aprendemos isso da pior maneira possível”, avaliou Pontes,
destacando o caso de Tucuruí, no Pará. A construção da usina
hidrelétrica no município paraense, em 1984, causou mudanças econômicas e
sociais em várias comunidades próximas à barragem. No município de
Cametá, por exemplo, pescadores calculam que a produção local passou de
4,7 mil toneladas por ano para 200 toneladas de peixes desde que a usina
foi construída.
Pontes lembrou que tanto a legislação brasileira quanto a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determinam que as
autoridades consultem as comunidades locais, sempre que existir
possibilidade de impactos provocados por decisões do setor privado ou
dos governos. Mas, segundo ele, esse processo não tem sido cumprido da
forma adequada.
Para Pontes, o governo brasileiro precisa se posicionar sobre as
comunidades e os investimentos previstos para infraestrutura. Na
avaliação do procurador, o posicionamento virá quando o Supremo Tribunal
Federal (STF) julgar, no próximo ano, ação que trata da falta de
consulta prévia às comunidades tradicionais antes da construção do
Complexo de Belo Monte.
“O STF vai definir a posição brasileira”, disse, defendendo a
exigência do consentimento das comunidades indígenas e povos
tradicionais antes do início das obras.
Os projetos de infraestrutura previstos pelo governo na região da
Amazônia dominam os debates do Fórum Amazônia Sustentável, que ocorre em
Belém, no Pará. Representantes de organizações ambientais e alguns
poucos empresários discutem, desde ontem (5), soluções para impasses
entre a infraestrutura necessária identificada pelo setor privado e a o
retorno dos investimentos para as comunidades locais.
“Já vivemos vários ciclos diferentes na Amazônia e estamos
reproduzindo o antigo olhar da Amazônia como provedora de recursos para o
desenvolvimento do país e do mundo e, nem sempre, as necessidades de
desenvolvimento da região”, disse Adriana Ramos, coordenadora do evento e
do Instituto Socioambiental (ISA).
Segundo ela, a proposta do fórum é chegar a um “debate do como
fazer”, já que os movimentos reconhecem que o governo não vai recuar dos
projetos. “É possível ter na Amazônia a compatibilização de diferentes
modelos de desenvolvimento, mas, mesmo a grande estrutura para
atendimento de demandas externas pode ser mais ou menos impactante.
Infelizmente, ainda estamos fazendo da forma mais impactante”, lamentou.
Adriana Ramos criticou a falta de investimentos prévios em projetos
como o de Belo Monte. Para ela, o governo teria que prever o aumento da
população e, consequentemente, a pressão por mais serviços públicos,
como saneamento e saúde em municípios como Altamira, no Pará.
“Além de serem feitas sem essa preocupação existe um esforço dos
setores para a desregulação dessas atividades, com mudanças como a do
Código Florestal e da regra de licenciamento”, acrescentou, explicando
que, agora, órgãos como a Fundação Nacional do Índio e a Fundação
Palmares têm 90 dias para responder se determinada obra impacta uma
terra indígena. “Se não responder, o processo de licenciamento anda como
se não houvesse impacto sobre terra indígena . esse tipo de mudanças
legais sinalizam que não há vontade de encontrar o caminho certo, há
vontade de se fazer de qualquer jeito. É desanimador”, lamentou.
O fórum termina sexta-feira (7) com um documento que vai orientar
todos os debates e ações das organizações ambientais a partir do ano que
vem, em relação a temas como a regularização fundiária na região, o
debate sobre transporte e cidades sustentáveis e repartição e uso
sustentável de recursos das florestas.
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