Dezenas de povos indígenas e tradicionais do Brasil se uniram na semana
de Mobilização Nacional Indígena, realizada e Brasília no começo de
outubro. É a atualização da Aliança dos Povos da Floresta, um dos
legados de Chico Mendes (©Tico Fonseca/Greenpeace).
Há 25
anos, o Brasil perdia um dos maiores defensores de sua diversidade
social e ambiental: Francisco Alves Mendes Filho foi assassinado
covardemente em sua casa em Xapuri, no Acre, em 22 de dezembro de 1988.
Chico Mendes, como é comumente conhecido, deixou um legado de sabedoria e
persistência na luta pela preservação da floresta, que tem sido
reproduzido por gerações no movimento socioambiental. Líder seringueiro e
sindical, seu nome representa até hoje a resistência das comunidades
que habitam a Amazônia ao avanço dos tratores que, no início dos anos
70, sob o comando do regime militar, atropelavam a mata e o que mais
houvesse ao redor para trazer o suposto progresso àqueles rincões
esquecidos.
Sua história se cruza com a de outras populações tradicionais
amazônicas, como os ribeirinhos e povos indígenas, que também têm na
floresta o seu sustento e fonte de sobrevivência. Com a chegada do
ambicioso programa de obras e colonização do governo, estradas eram
abertas no coração da floresta para dar passagem a novas frentes de
“desenvolvimento” na Amazônia. Encobertos pela poeira e pelo rastro de
destruição das maquinarias do Estado, as populações locais da região
sentiram a necessidade urgente de unir forças para tentar salvar aquilo
que lhes era mais precioso.
“Conheci o Chico quando ele estava peregrinando pelo mundo, indo pra
fóruns fora do Brasil denunciar a destruição da Amazônia, as mazelas
trazidas pela BR-163, insistindo que fossem criados mecanismos de
consulta às comunidades, denunciando que tinham povos ainda em estado de
isolamento, que seriam violentados e dizimados. Ele insistia que os
povos da floresta precisavam ser ouvidos, não sublimados. Na época, as
autoridades tratavam a Amazônia como se só houvesse floresta no caminho,
sem seres humanos. Chico foi um pioneiro na Amazônia, antes dele não
tinha ninguém levantando a bandeira dos direitos humanos relacionada à
questão ambiental de maneira tão eficaz. A temática socioambiental se
iniciou aí”, conta Ailton Krenak, ambientalista, líder indígena,
ex-deputado federal e hoje coordenador da Rede Povos da Foresta.
À época, comunidades extrativistas, como os seringueiros do Acre e os
castanheiros do Pará, enfrentaram inúmeros conflitos com grileiros,
madeireiros e fazendeiros. Muitos perderam suas terras e pagaram com a
própria vida o preço pela defesa da floresta. Foi na luta pela terra,
pelos recursos naturais e seus usos diferenciados pelas comunidades
tradicionais, que os povos da floresta foram se organizando e se
aproximando.
Saiba mais:
- Sempre presente
- Uma luta sem volta - 25 anos sem Chico Mendes
- Pelo direito dos povos indígenas à terra e à vida
- As mortes anunciadas da Amazônia
“Ele tinha uma visão muito ampla do planeta como um todo. Ele pensava
em organizar os trabalhadores e percebeu que, mais do que isso, era
preciso criar relacionamentos entre diversas comunidades de forma a
transcender os sindicatos e criar as redes. Muito antes disso virar moda
hoje, ele já juntava índios, seringueiros, ribeirinhos, intelectuais,
cientistas, pesquisadores e achava que essa gente toda tinha algo em
comum. Eu tenho muita saudade do meu amigo Chico Mendes e de suas ideias
geniais”, lembra Krenak, saudoso.
Em 1980 foi fundada, por um grupo de lideranças locais indígenas, a
União das Nações Indígenas. Somando a experiência de dezenas de
conflitos em todo o país, a então chamada UNI se articulou com outros
setores da sociedade civil para dar visibilidade às lutas locais, antes
invisíveis e extremamente desiguais. Teve importante participação no
avanço dos direitos indígenas conquistados na Constituição de 1988, além
de ter sido precursora da Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia Brasileira (COIAB), que hoje representa 165 povos indígenas e
75 organizações regionais.
Em outubro de 1985, os sindicatos de seringueiros do Acre convocaram o
primeiro encontro nacional, em Brasília, reunindo representantes de
comunidades extrativistas de cinco estados da Amazônia. Na ocasião, foi
criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
Dois anos depois, em 1987, Ailton Krenak, então coordenador da UNI,
Jaime da Silva Araújo, o primeiro presidente do CNS, e Chico Mendes,
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, fizeram um
evento público em São Paulo para discutir a proposta de criação da
Aliança dos Povos da Floresta, enfocando os paralelos entre as
diferentes experiências e lutas, e a importância de construir uma
aliança efetiva.
Mas foi apenas depois da morte de Chico Mendes que a Aliança foi
oficialmente lançada, durante o Primeiro Encontro Nacional dos Povos da
Floresta e Segundo Encontro Nacional dos Seringueiros, em fevereiro de
1989, em Rio Branco, no Acre.
Índios e seringueiros souberam colocar seus antagonismos históricos
de lado para lutar com eficiência contra as ameaças externas. Dessa
forma, a Aliança ganhou força e deu respaldo a dezenas de colaborações
em conflitos com grileiros e madeireiros. A partir dela foram criadas as
primeiras Reservas Extrativistas, demarcadas muitas Terras Indígenas e
instituído o Parque Nacional da Serra do Divisor. A Aliança também
liderou a mobilização que resultou na criação do Grupo de Trabalho da
Amazônia (GTA), que atualmente conta com 623 organizações. Alguns dizem
que ela foi desarticulada anos depois. Há quem discorde.
“Acho que a Aliança continua existindo até hoje. A Mobilização
Nacional Indígena foi um exemplo concreto disso. Quando juntamos na
mesma luta vários povos tradicionais, quilombolas, ribeirinhos; quando
empatamos Belo Monte ou outros empreendimentos que assolam a vida das
comunidades e a biodiversidade, isso é uma atualização constante da
Aliança. As pessoas querem datar tudo, acham que a Aliança só existiu
quando tínhamos escritório físico conjunto. Continuamos compartilhando
agendas hoje, só que em outros campos, como nas redes sociais. Hoje as
ações são feitas em territórios diferentes, novos. Enquanto houver gente
reagindo à destruição da floresta, a Aliança estará viva”, conclui
Krenak.
Um quarto de século depois, os movimentos socioambientais percebem a
mesma necessidade de união, dada a constante e acirrada ameaça aos
direitos eterritórios indígenas e de populações tradicionais vinda da
parte mais atrasada do agronegócio brasileiro, e aos consequentes
conflitos, violência e morte no campo.
O histórico da Aliança dos Povos da Floresta serve para mostrar que,
quando o objetivo é comum, as desavenças se dissipam. Vivo fosse, Chico
Mendes certamente não abandonaria seus companheiros de luta contra a
afronta daqueles que dominam os latifúndios – muitas vezes improdutivos –
no país e priorizam o lucro pessoal em detrimento ao bem maior da
nação. Que os 25 anos sem Chico não nos deixem esquecer sua vida e seu
legado, revigorem nossos ânimos e aumentem a força da nossa resistência.
Fonte: greenpeace.org.br
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