Quem se dá hoje à tarefa de ler jornais encontra todos os dias
notícias sobre o emaranhado de dramas urbanos em todas as partes no
País, grandes cidades adotando rumos opostos aos de outras, a população
queixando-se cada vez mais da falta de qualidade da vida nos grandes
centros, a ausência de caminhos alternativos. Junto, o temor de que tudo
possa desaguar em protestos públicos e em cenários políticos
inquietantes. Tão grave que, para o professor emérito de Antropologia da
Universidade da Cidade de Nova York David Harvey – que estará por aqui
neste mês -, o objetivo prioritário do governo brasileiro deveria ser um
“projeto de desenvolvimento urbano” (Folha de S.Paulo, 1.º/11); não
apenas tratar do modelo econômico ou da crise conjuntural que
atravessamos; e, sim, construir algo que “não tem nada a ver com os
megaprojetos”, mas que “melhore a vida cotidiana da maioria da
população”.
Nada menos que isso. Mas preferimos ficar no meio do caminho em
discussões sobre a conveniência ou não de implantar o imposto
progressivo sobre terrenos, estimular ou não a construção em áreas já
dotadas de infraestruturas. Mas sem saber quais as consequências de um
ou outro rumo. Quem pagará, por exemplo, pelos custos do adensamento
humano com mais ocupação – mais trânsito, maior necessidade de serviços
urbanos, etc.? A oposição a esse rumo deseja manter áreas de menor
adensamento populacional. Mas como fazer isso sem um plano conjunto para
os transportes conjugados em toda a área metropolitana?
Em outros tempos, antes do delírio populacional urbano das últimas
décadas, o autor destas linhas foi favorável a estimular, via impostos, a
ocupação de áreas já dotadas de infraestruturas. Mas teve de reconhecer
que as megaconcentrações humanas têm levado a situações desastrosas.
Hoje, São Paulo enfrenta dilemas como autorizar ou não ruas sem saída e
vilas a implantar portões que as transformem, na prática, em condomínios
fechados para terem mais segurança, nenhum trânsito, menos ruídos, etc.
Cabe perguntar: deve-se permitir que pequenas parcelas da população
tenham por esse caminho o que a administração pública não lhes
proporciona? E da ocupação obrigatória – sob pena de impostos
progressivos – de imóveis no centro da capital, que se pensa?
Não é só. A Prefeitura paulistana diz que vai barrar a “implantação
de espigões nos bairros”. Mas estuda autorizar a implantação de
estabelecimentos comerciais nas “vias coletoras de regiões
exclusivamente residenciais”, em “lotes lindeiros às zonas
exclusivamente residenciais” (Estado, 18/7). Enquanto isso, o Plano
Diretor Estratégico prevê que empreiteiras só poderão construir o dobro
da área de terreno ocupada nos bairros; mas perto dos corredores de
ônibus e estações do metrô a construção poderá equivaler até a quatro
vezes a área de terreno.
Da mesma forma, discute-se se deve ser autorizado que táxis trafeguem
em faixas exclusivas para ônibus. Privilegia-se quem pode pagar um
transporte individual em detrimento de quem está no coletivo? E se as
pesquisas divulgadas pela comunicação dizem que não há prejuízo?
Derruba-se ou não o minhocão que liga o leste ao oeste da capital
paulista? Melhora-se a vida de quem mora ao lado ou se piora a de quem
dele depende? E se nada se fizer, como no Rio de Janeiro, onde o
minhocão foi derrubado e nada aconteceu no lugar? E a quem caberão os
custos numa e na outra cidade?
As questões não têm fim. Como se conjugará a solução para todas essas
questões sem pensar no drama das infraestruturas urbanas? São Paulo tem
69 mil quilômetros de redes aéreas de fiação e nem se pensa em
embuti-las no subsolo (onde estão outros 40% da rede), tais os custos –
ainda que sejam cabos de alta tensão (8/9). E a drenagem, que não atende
aos altos volumes de água em tempos de chuvas, ainda mais entupidas
pelo lixo mal coletado? E isso acontece no momento em que, apesar da
crise no abastecimento de água, a cidade ainda perde mais de 25% da que
sai das estações de tratamento, por causa de furos, rompimentos na rede
ou furtos. Por que isso não é prioritário, em lugar de grandes obras que
farão os donos de grandes empreiteiras esfregar as mãos? Por que não se
destinam também mais verbas para recuperar mais de metade das pontes e
dos viadutos paulistanos, que, segundo a Prefeitura, têm muitos
problemas?
A Prefeitura de São Paulo chega a anunciar que pretende estabelecer
regras ambientais como contrapartida à liberação de novos
empreendimentos na cidade (Estado, 18/7). Entre elas, a exigência de
“coberturas verdes” nas construções e de pequenos reservatórios internos
para contenção de águas de chuvas para certos usos ou liberação
posterior (reduzindo o risco de inundações); quem aderir poderá receber
“benefícios financeiros”. Mas por enquanto está no terreno das
intenções, no âmbito da revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que
ainda terá de passar pela Câmara Municipal.
Muitas cidades no mundo caminham para soluções abrangentes.
Helsinque, capital da Finlândia, planeja retirar das ruas todos os
automóveis, embora tenha mais de 600 mil habitantes. Mas pretende
oferecer um transporte público exemplar, com ônibus e VLTs, que
dispensem o individual. Londres, como se comentou mais de uma vez neste
espaço, já tem uma lei que obriga o dono de veículo particular a pagar
perto de R$ 50 por dia útil em áreas centrais onde se favorece o
trânsito de coletivos. Mas diante da alta taxa de mortalidade de pessoas
vitimadas por doenças relacionadas com a poluição do ar (4 mil por ano)
pretende aumentá-la. E a partir de 2018 todos os táxis terão emissão
zero de poluentes. Cingapura foi a precursora nesse modelo, que já está
em muitas outras cidades, como Milão, na Itália, por exemplo.
Por aqui vamos seguindo com incentivos indiscriminados para o transporte individual.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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