Os combustíveis fósseis vivem um novo ciclo de expansão, cujos resultados vão alterar de maneira drástica a geopolítica da energia global. O pré-sal brasileiro é parte desse processo, mas seu epicentro decisivo encontra-se nos Estados Unidos.
Sob o ângulo geopolítico, dos quatro
protagonistas centrais desta ampliação da oferta (Estados Unidos,
Canadá, Brasil e Iraque), três encontram-se fora do círculo de
influência do Golfo Pérsico, o que modifica completamente a ligação
entre segurança nacional e energia, sobretudo nos Estados Unidos, que
devem tornar-se a segunda potência petrolífera mundial até 2020. Essa
virada torna-se mais provável caso os preços mantenham-se elevados ao
menos até 2015, o que estimulará os investimentos necessários para que
ela se concretize.
Essas são algumas das conclusões de um trabalho
fundamental lançado em junho pelo Belfer Center for Science and
International Affairs da Harvard Kennedy School. Leonardo Maugeri, seu
autor, hoje pesquisador visitante sênior da prestigiosa instituição, é
uma das grandes autoridades mundiais em petróleo e dirigiu a ENI, grande
multinacional italiana na área de petróleo e gás. Não há qualquer
exagero no título de seu estudo – Petróleo, a Próxima Revolução – que vem ocupando um espaço crescente na imprensa e nos círculos especializados em energia no mundo todo.
O
que está em jogo nessa discussão são os próprios caminhos pelos quais
vai passar o processo de descarbonização da economia global. Mais do que
constatar fatos objetivos e estabelecer hipóteses sobre as tendências
daí decorrentes, o trabalho de Maugeri preconiza uma rota em que a
exploração crescente de petróleo seria compatível com as exigências
socioambientais das sociedades contemporâneas. Por um lado, Maugeri
procura mostrar que os problemas das novas tecnologias de exploração do
petróleo (o fraturamento hidráulico, fracking, em inglês) são menores do que se imagina.
A
infiltração de gás natural nos aquíferos, o envenenamento do subsolo
por meio do uso excessivo de produtos químicos e mesmo os pequenos
terremotos em algumas áreas de exploração não passam, a seu ver, de
episódios esporádicos derivados de técnicas mal aplicadas.
Quanto
às consequências do aumento da oferta sobre o aquecimento global, estes
são temas que a captura e armazenagem de carbono, bem como a
geoengenharia, seriam capazes de enfrentar. Em outras palavras, é um
caminho em que mais extração e maior uso de combustíveis fósseis em nada
comprometem o objetivo de luta contra o aquecimento global.
Apesar
de sua importância, o trabalho de Leonardo Maugeri deixa na sombra ao
menos dois problemas decisivos desta nova geopolítica do petróleo. O
primeiro foi denunciado na parte do recém-publicado Global Environmental Outlook referente à América do Norte.
Estados
Unidos e Canadá, diz o trabalho, têm sido “lentos na expansão de fontes
renováveis de energia, capazes de reduzir as emissões de gases de
efeito estufa”. As oportunidades de negócios trazidas por essas novas
técnicas de extração de petróleo são imensas. E na prática seu
aproveitamento reduz o potencial de investimentos e de inovação nas
fontes renováveis. Em 2010, por exemplo, dos US$ 710 bilhões gastos em
energia, no mundo, apenas US$ 70 bilhões foram para renováveis, como
mostra um importante relatório das Nações Unidas.
Os efeitos dessa
revitalização do petróleo são de longo prazo: cada dólar investido em
energias fósseis (não só na extração, mas também na armazenagem e na
distribuição) encarece os investimentos em fontes renováveis. Isto não
apenas para o petróleo e o gás, mas para o conjunto da indústria
petroquímica. Por mais promissoras que sejam as inovações tecnológicas
voltadas à exploração do petróleo em locais e circunstâncias
inimagináveis há alguns anos, elas trazem o inevitável inconveniente de
fortalecer as estruturas materiais e institucionais da economia baseada
em combustíveis fósseis. Quanto à captura e à armazenagem do carbono, o
jornalista neozelandês Gordon Campbell lembra que, até aqui, trata-se de
uma técnica que foi pouco além da prancheta dos engenheiros.
O
segundo problema do revigoramento recente da exploração de combustíveis
fósseis está em seus custos energéticos. Nenhum dos defensores da tese
do pico do petróleo imagina que o precioso líquido negro vá desaparecer
das profundezas do planeta. A questão está nos custos de sua exploração.
Estes custos devem ser medidos não apenas em termos econômicos, mas
também energéticos, com base na pergunta: quanta energia se gasta para
obter uma unidade de energia sob a forma de petróleo? Em 1930, a
resposta era de um para cem. Os poços eram tão férteis que, com técnicas
energeticamente pouco dispendiosas, obtinha-se muito petróleo.
O
pico do petróleo consiste, em grande parte, no fato de que esses
rendimentos vão caindo com o passar do tempo. A média mundial hoje gira
em torno de dez unidades de energia para cada uma que se investe na
extração de petróleo. E, mesmo com as técnicas revolucionárias aplicadas
no fraturamento hidráulico norte-americano, as médias das jazidas mais
promissoras está muito aquém disso: no local mais emblemático dessas
novas formas de exploração, no Estado de Dakota do Norte, a média é de
apenas quatro unidades de energia para cada uma investida na sua
obtenção. Nas areias asfálticas do Estado de Alberta, no Canadá, a
proporção é de apenas três para um.
Quando se somam a estes custos
energéticos aqueles embutidos na armazenagem e na captura do carbono
(condição básica para que o aumento da oferta não agrave ainda mais o
aquecimento global), o resultado é inequívoco: há um contraste evidente
entre o entusiasmo que este novo ciclo dos combustíveis fósseis desperta
em governos e investidores e a ineficiência energética em que ele se
apoia. O mais recente boom do petróleo pode contribuir para a
segurança energética dos Estados Unidos. Mas certamente não ajuda a
aumentar as chances de compatibilizar a expansão do sistema econômico
global com a manutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais as
sociedades humanas dependem.
Ricardo Abramovay é professor titular da FEA e do IRI-USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp, e autor de Muito Além da Economia Verde, lançado na Rio+20 pela Editora Planeta Sustentável.
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