Existem pessoas que colocam toda a culpa dos problemas do mundo no tamanho e no ritmo de incremento da população e consideram que o crescimento demográfico é o principal responsável pela reprodução da pobreza e pela degradação do meio ambiente.
Mas também existem outras pessoas que dizem exatamente o contrário e consideram que a população não é um problema, pois a culpa pela pobreza se deve à concentração da renda e da propriedade, enquanto os maiores danos ao meio ambiente decorrem do impacto provocado pelo volume e crescimento do consumo, especialmente das parcelas mais afluentes da população.
Os ricos culpam os pobres pelos problemas da miséria e do meio ambiente. Os pobres devolvem os “insultos” e consideram que o padrão de vida e os privilégios dos ricos são os verdadeiros responsáveis pelo aumento da pobreza e da degração ambiental.
Quem está com a razão? Os dois tipos de argumentos estão certos? Ou os dois estão errados?
Vejamos sinteticamente o debate sobre população e pobreza.
Os dados mostram que, ao longo da história, a grande maioria da população mundial era pobre e tinha uma esperança de vida média em torno dos 30 anos, situação que se manteve até a maior parte do Século 19. No Brasil, nesta época, as péssimas condições de saúde e educação da população em geral eram agravadas pela escravidão e a total falta de autonomia das mulheres (que não podiam votar, estavam subjugadas aos espaços privados e eram legalmente dependentes dos pais e/ou maridos).
Mas diversos avanços econômicos, médicos e sanitários possibilitaram a redução das taxas de mortalidade, especialmente da mortalidade infantil, na maior parte do mundo e também no Brasil. Com o maior número de filhos sobreviventes e vivendo vidas mais longas, as famílias passaram a limitar a quantidade de filhos nascidos vivos e investir mais na qualidade dos mesmos. Este processo conhecido como transição demográfica gera, inexoravelmente, uma mudança na estrutura etária que abre uma janela de oportunidade e cria um bônus demográfico que, se bem aproveitado, possibilita o combate à pobreza e o avanço de políticas para a melhoria da qualidade de vida da população.
Portanto, a transição demográfica (de altas para baixas taxas de mortalidade e fecundidade) e o processo de redução da pobreza são dois fenômenos que se reforçam mutuamente. Neste sentido, podemos dizer que não é o crescimento populacional que gera as situações de miséria, mas, inegavelmente, uma redução no ritmo de crescimento demográfico ajuda no processo de saída das condições de pobreza.
Por outro lado, a falta de recursos educacionais e econômicos por parte das famílias e do Estado está correlacionada com os territórios com maiores taxas de fecundidade. Desta forma, alto crescimento populacional e carência de recursos econômicos e culturais se somam e constituem o chamado fenômeno da “armadilha da pobreza”. Assim, nestes casos, a pobreza explica o alto crescimento populacional tanto quanto o alto crescimento populacional explica a pobreza. Romper com este círculo vicioso é o grande desafio colocado, por exemplo, pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aprovados pela ONU, na Cúpula do Milênio, no ano 2000.
Agora vejamos sinteticamenente o debate sobre população e meio ambiente.
É muito fácil para um ser humano dizer, por exemplo, que “sete bilhões de habitantes não são um problema”. Mas qual seria a resposta se perguntássemos se a Terra está superpovoada para uma onça, um tigre, um elefante, um rinoceronte, um tamanduá ou um orangotango? E se perguntássemos para um cedro, um mogno, um jacarandá ou um pau-brasil? O que nos diria um sabiá, um bem-te-vi ou um pintassilgo?
Evidentemente, comparado com outras espécies, sete bilhões de habitantes não é pouco, pois cada pessoa precisa de água, comida, casa, transporte, saúde, educação, lazer, etc. Tirando a água, as outras coisas não caem do céu. E embora exista muita água na Terra, a água potável é escassa e geograficamente mal distribuída. Pior, a humanidade está poluindo, danificando e sobreutilizando as fontes limpas de água, no solo e no subsolo.
O impacto das atividades antrópicas sobre a natureza já ultrapassou a capacidade de regeneração do planeta. Do ponto de vista do aquecimento global, são os países ricos e com maior desenvolvimento industrial que mais emitiram e emitem gases de efeito estufa. Calcula-se que o segmento dos 13% mais abastados da população mundial seja responsável por 50% da emissão de carbono do mundo. Resolver este imbróglio é uma tarefa urgente.
Contudo, a população pobre do mundo e que pouco contribui para o aquecimento global, tem outros impactos não desprezíveis sobre o meio ambiente. Por mais pobre que seja uma população ela precisa de água, comida, lenha e outros consumos básicos.
Por exemplo, a bacia hidrográfica do Rio Nilo, abrangendo uma área de 3.349.000 km², já não dá conta de abastecer as populações dos dez países que, em maior ou menor proporção, dependem de suas águas. A população conjunta de Uganda, Tanzânia, Ruanda, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Egito era de 84,7 milhões de habitantes em 1950, passou para 411,4 milhões em 2010, e deve chegar a 877,2 milhões em 2050 e 1,3 bilhão de habitantes em 2100, segundo dados da divisão de população das Nações Unidas.
Os problemas de fome, perda de biodiversidade e pobreza humana e ambiental são cada vez mais graves na região. A capacidade de carga da bacia hidrográfica do Rio Nilo já não está suportando a população atual. Já existem diversos conflitos pela disputa da água entre os povos e os países. Também já existem multidões de deslocados ambientais e ecorrefugiados decorrentes da deterioração das condições do solo, da seca, do desmatamento e das mudanças climáticas.
Por outro lado, a China, com 1,35 bilhão de habitantes, está conseguindo retirar milhões de pessoas das situações de pobreza, embora enfrente, ao mesmo tempo, os problemas de falta de água, de desertificação, de poluição e de aumento acelerado da pegada ecológica. Para minorar este problema, o governo adota uma política autoritária de “filho único” e o país deve perder entre 500 milhões e 600 milhões de habitantes entre 2030 e 2100.
Os demais povos querem emular a estratégia chinesa de produção em massa de bens e serviços, mas num quadro de crescimento da população como no Egito, Etiópia, Sudão, etc. Atualmente, mesmo que haja distribuição igualitária da renda e do consumo, em termos internacionais, a pegada ecológica já ultrapassou o uso de um planeta. Estamos consumindo mais de um planeta. Portanto, o mundo já sente as consequências do “sucesso” chinês e da busca desesperada das economias dos países em desenvolvimento em busca dos mesmos padrões de vida dos países desenvolvidos.
O fato é que o incremento do consumo, de um lado, e o aumento da população, de outro, estão contribuindo, mesmo que de forma diferenciada, para uma rápida degradação ambiental. Não existe consumo sem população e nem população sem consumo. Crescimento econômico e populacional ilimitado é uma equação impossível em um planeta finito.
Por tudo isto, a próxima Conferência da ONU para o Meio Ambiente, a Rio+20, precisa lidar com uma agenda para o decrescimento da pegada ecológica, estabelecendo ações para reduzir o impacto do consumo humano sobre a natureza, mas sem omitir medidas que viabilizem, democraticamente, a estabilização da população mundial em um futuro próximo. A necessidade de uma mudança de rumo é urgente.
* José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE), e apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate
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