As rádios comunitárias no Brasil descobriram, na internet e na facilidade do uso das ferramentas tecnológicas de informação, aliados para difundir seus conteúdos, focados nos direitos humanos, sociais e da cidadania. A criação das web-rádios comunitárias avança no país, onde os passos para obter uma concessão do governo federal ficam cada vez mais burocráticos e longos e constituem uma barreira ao surgimento de novas emissoras sem fins lucrativos.
Atualmente, existem no Brasil cerca de 4.500 rádios comunitárias legais, mas estima-se que estão em operação outras dez mil sem a devida permissão. Muitas outras são forçadas a funcionar na clandestinidade, apesar de terem apresentado ao Ministério das Comunicações um projeto para obter a concessão, que continua esperando por uma avaliação. O trâmite costuma durar de três a dez anos, mas há casos em que a demora chega a 17 anos, segundo o não governamental Centro de Imprensa, Assessoria e Rádio do Brasil (Criar), destinado a promover a democratização da produção radiofônica e formar comunicadores populares.
“O movimento deste tipo de rádio é muito forte no Brasil e já tem cerca de 20 anos. Há uma carência muito grande em capacitação técnica e de abordagem sobre os temas de direitos humanos”, declarou à IPS o coordenador executivo no Brasil da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), João Paulo Malerba. “As rádios comunitárias têm um grande potencial de difusão destes conteúdos, já que são um meio mais simples”, disse Malerba, também vinculado ao Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Desde 1998, uma Lei de Radiodifusão regulamenta as emissoras de rádio e televisão comunitárias. Naquela época, havia no país duas mil rádios comunitárias. Catorze anos depois, o número de rádios comunitárias legais mais do que dobrou e é muito superior ao das emissoras comerciais, que chegam a 2.600. Contudo, pelas dificuldades burocráticas, muitas rádios comunitárias se arriscam a emitir sem autorização e acabam fechadas pela Polícia Federal. Apenas entre setembro e outubro de 2011, a PF tirou do ar 160 emissoras sem fins lucrativos.
A política pesa muito no tempo de espera para obter a permissão. Um recente estudo deixou evidente que os projetos que contam com um “padrinho político” em Brasília têm quatro vezes mais chances de obter a autorização ministerial em pouco tempo, denunciou Malerba. “Isto nos preocupa muito, já que provoca uma perda de identidade, porque muitas emissoras se vinculam a políticos ou grupos religiosos e, assim, se perde a pluralidade que é a essência de uma rádio comunitária”, afirmou.
A legislação fixa como limite para as emissoras comunitárias raio de alcance de um quilômetro e 25 watts de potência. Malerba critica este alcance, por considerá-lo insuficiente em muitos casos, pois as emissoras servem comunidades que se estendem por mais de um quilômetro. Como exemplo, citou o caso das rádios criadas nas favelas, como no Rio de Janeiro, que se estendem por vários quilômetros e têm população média de cem mil habitantes. Também citou a região amazônica, onde os moradores vivem muito espalhados.
Para vencer estes obstáculos, as rádios comunitárias brasileiras estão desembarcando na internet, porque descobriram que o mundo da web facilita a operação com liberdade e o alcance que lhes é negado nas tradicionais ondas hertzianas. “Qualquer um pode criar uma web-rádio. Entretanto, o acesso à internet nas comunidades às quais pretende chegar este tipo de emissora, especialmente nas regiões norte e nordeste, onde o uso da web ainda é muito limitado”, destacou Malerba.
As web-rádios nasceram no Brasil em 2005 e já um ano depois cerca de cem emissoras comunitárias transmitiam pela rede de computadores sua programação. Malerba destaca que o perfil dessas rádios é diferente do tradicional e inclui um universo mais amplo, por sua audiência de indivíduos, comunidades e movimentos sociais estar em diferentes partes do país e não ficar em uma comunidade localizada.
Não há dados sobre o número atual de web-rádios comunitárias no Brasil, mas sabe-se que chegam a várias centenas. A previsão é de que a disseminação dessa modalidade de rádio se multiplicará na medida em que avança o Plano Nacional de Banda Larga, que pretende que, em 2015, cerca de 40 milhões de lares brasileiros tenham acesso à internet e que em 2017 mais de 90% das cidades do país sejam atendidas pelo programa.
André Lobão, especializado em meios digitais, coordena o projeto pioneiro Radiotube, criado em 2007 e que integra uma rede social na internet de comunicadores comunitários de todo o Brasil, com foco em cidadania e direitos humanos. “A Radiotube é uma plataforma de acesso a diversos conteúdos, e, neste sentido, é um projeto inovador, pois tem uma proposta de cidadania que aproveita o auge do ambiente web 2.0, a interação e o compartilhamento de conteúdos nas redes sociais”, explicou à IPS.
A plataforma segue os princípios da “creative commons” (licença de conteúdos comuns criativos) e da democratização da informação mediante a circulação compartilhada e autorizada de conteúdos e programas. Lobão citou como exemplo que uma rádio comunitária do Estado do Amazonas pode baixar pela internet um programa produzido por uma rádio comunitária do Estado de São Paulo.
“A Radiotube atua como um facilitador para acesso a conteúdos produzidos por web-rádios comunitárias em todo o país. É uma forma de diversificar o conteúdo, produzir informação com olhar próprio e estabelecer uma criação de materiais mais horizontais”. Este projeto é uma das iniciativas do Criar, que tem uma rede de 1.400 rádios comunitárias no país, das quais um terço já opera via internet.
A plataforma integra atualmente cerca de 400 web-rádios comunitárias, a maioria com sede no sudeste do país. Dentro do Estado do Rio de Janeiro há cerca de 40 dessas emissoras vinculadas à Radiotube e outras 30 em São Paulo. No nordeste do país, a plataforma tem 12 web-rádios comunitárias na Bahia e no Pará, enquanto no norte são seis emissoras.
Lobão antecipou que as web-rádios no norte do Brasil crescerão na medida em que a banda larga alcançar todos os rincões do território nacional e abrir um universo de possibilidades para as emissoras comunitárias, que continuam lutando por seu reconhecimento e por um lugar ao sol na radiodifusão brasileira.
Fonte: Envolverde/IPS
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