Uma das mais
palavras mais difamadas na linguagem política neoliberal e capitalista é
seguramente a de “socialismo”. Entende-se o porquê, pois ele comparece
na história como um projeto alternativo à perversidade do capitalismo
seja como modo de produção seja como cultura globalizada, hostil à vida e
incapaz de trazer e generalizar felicidade.
Alega-se que o socialismo nunca deu certo em nenhum lugar
do mundo.Talvez uma das razões de manter o boicote à Cuba socialista
por tantos anos da parte dos EUA se deva à vontade de mostrar ao mundo
que o socialismo realmente não presta e não deve ser buscado como forma
de organização da sociedade. E Obama teve que reconhecer que nisso os
EUA fracassaram. O capitalismo não é a única forma de organizar a
produção e uma sociedade. Ademais houve a implosão do socialismo
realmente existente na URSS, o que suscitou um entusiasmo quase infantil
ao ideal capitalista como triunfador e a verdadeira solução final dos
problemas sociais.
Mas é forçoso reconhecer que aquele
“socialismo” nunca foi o socialismo pensado por seus teóricos já há três
séculos. Na verdade, era um capitalismo do Estado autoritário, pois
somente este podia acumular e através dele e dos membros do partido
construir o projeto socialista e não por todo um povo.
Mas
se tomarmos como parâmetro critérios humanísticos, éticos e sociais
mínimos, devemos reconhecer que o produtivismo em geral e o capitalismo
como sua expressão maior, também não deram certo. Como pode dar certo um
sistema que se propõe um mesquinho ideal de enriquecimento ilimitado,
sem qualquer consideração? Subjugou a inteira classe operária na Europa
e alhures aos interesses do capital, acirrando a luta de classes,
conquistou e destruiu inteiros povos na África e, em parte, na América
Latina, reduzindo-os até hoje à miséria e à marginalidade. Devastou e
continua devastando inteiros ecossistemas, desflorestando grande parte
da área verde do mundo, envenenando os solos, poluindo as águas,
contaminando o ar, erodindo a biodiversidade na razão de cem mil
espécies de seres vivos por ano, segundo dados do eminente biólogo
Ewdard O. Wilson, destruindo a base físico-química que sustenta a vida e
pondo em risco o futuro de nossa civilização, suscitando a imagem
tétrica de uma Terra depredada e coberta de cadáveres e eventualmente
sem nós, como espécie humana? Esse sistema, pelos cálculos feitos por
economistas que assumem o dado ecológico, serve bem apenas a cerca de
dois bilhões de pessoas que se afogam no consumo suntuoso e no
desperdício atroz. Ocorre que somos já mais de sete bilhões de pessoas,
das quais quase um bilhão vive na mais canina pobreza e miséria. Mais
ainda, e os cálculos foram feitos: se este sistema quisesse
universalizar o bem-estar dos países opulentos como os EUA e a Europa
precisaríamos de pelo menos três Terras iguais a esta.
Que
sistema atenderá as necessidades fundamentais da humanidade carente?
Não será o capitalismo que, lá onde chega, traz logo duas injustiças: a
social com a riqueza de poucos e pobreza de muitos, à base da exploração
e a ecológica com a devastação maciça da natureza.
Sobre
ele, um dia que não saberemos quando, virá, severo, o juízo da história
e se cobrará dele as milhões de vítimas produzidas nos séculos de sua
vigência, cujos gritos sobem ao céu clamando por uma justiça mínima e
pelo respeito à sua dignidade, sempre negados.
Deixando de lado os
vários tipos de socialismo a começar pelo socialismo utópico (Saint
Simon, Owen, Fourier), o socialismo científico (Marx e Engels) o
socialismo autoritário-ditatorial (estalinismo) e o socialismo
democrático (Schumpeter; não confundi-lo com a social democracia),
restringimo-nos ao ecossocialismo contemporâneo. Surgido nos anos 1970
com Raymon Williams (Inglaterra), James O’Connor (USA), Manuel Sacristán
(Espanha) e entre nós com Michael Löwy (O que é ecossocialismo, Cortez
2015), ele afasta-se dos socialismos anteriores e apresenta uma proposta
radical que “almeja não só a transformação das relações de produção, do
aparelho produtivo e do padrão de consumo dominante, mas sobretudo
construir um novo tipo de civilização, em ruptura com os fundamentos da
civilização capitalista/industrialista ocidental moderna”(Löwy, p.
9-10).
Os tópicos principais desta proposta foram
expostos no Manifesto Ecossocialista Internacional (2001) que deu
origem à Rede Ecossocialista Internacional (2007). Na Declaração
Ecossocialista de Belém (2007) se diz claramente:”a humanidade enfrenta
hoje um escolha extrema: ecossocialismo ou barbárie…visa-se parar e
inverter o processo desastroso do aquecimento global em particular e do
ecocídio capitalista em geral, e construir uma alternativa prática e
radical ao sistema capitalista”(Löwy,pp.114 e 119).
Esta
proposta se alinha ao que também propõe a Carta da Terra, fruto de uma
vasta consulta na humanidade e longa maturação até ser aprovada e
assumida pela UNESCO em 2003.
Dentro de pouco seremos todos
ecossocialistas não por opção ideológica, mas por razões matemáticas:
dispomos apenas dos escassos bens naturais existentes com os quais
devemos atender a todos os humanos e à toda comunidade de vida. Ou
repartimos tais bens com um mínimo de equidade entre todos ou não haverá
uma Arca de Noé que nos salvará. É vida ou morte.
CEPRO –
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