Terminada a última etapa das eleições municipais, é chegada a hora de
os novos prefeitos interromperem as comemorações e começar a agir para
atender as expectativas de seus eleitores. Entre os inúmeros desafios
que estarão à frente da administração das cerca de 5.600 cidades
brasileiras está a gestão dos resíduos. Como veremos mais à frente são
poucos os municípios que encaram esse problema com a urgência e
relevância que o assunto faz por merecer.
Ninguém é capaz de negar
a importância de termos uma gestão mais correta e eficiente dos
resíduos como a estabelecida na proposta da Política Nacional de
Resíduos Sólidos- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm. Também é muito difícil desconsiderar os enormes obstáculos para se conseguir a sua efetiva implementação.
Para
começo de conversa com a nova Lei de Resíduos Sólidos, o lixo deixa de
ser lixo para virar resíduo. E, esse tal resíduo, deverá ter um destino
muito mais nobre que o pobre lixo jogado por aí, sem qualquer serventia.
Resíduo é material valioso para ser usado novamente na cadeia
produtiva, pronto para ser reaproveitado, reutilizado, reciclado e não
mais descartado. Do plebeu lixo para o nobre resíduo. Do imprestável
para se transformar em insumo essencial.
Sabe aquele catador de
lixo, em sua maioria, subempregado e trabalhando em condições no mínimo
pouco favoráveis? Pois esses profissionais irão receber o valor que
merecem quando a lei estiver plenamente em vigor. Eles serão
reconhecidos pelo serviço essencial que exercem para toda a sociedade e
para a manutenção de um meio ambiente mais saudável.
A lei também
determina, como uma de suas premissas mais importantes, a
responsabilidade compartilhada, ou seja, será preciso a participação de
todos para o alcance de seus objetivos. Setores público e privado,
sociedade civil, cidadãos e como citado acima, dos catadores de material
reciclável (notem que não mais os chamamos de catadores de lixo)
necessariamente vão ter de fazer parte da mesma equação. Dependerá dessa
união o sucesso ou o fracasso da lei.
Portanto, no bojo da
Política de Resíduos Sólidos, estão propostas pequenas e virtuosas
revoluções capazes de trazer enormes quebras de paradigma e grandes
alterações no comportamento social.
Obviamente, se existem tantas
novas situações por assim dizer, não se devem imaginar facilidades na
sua efetiva implantação em qualquer área.
Despreparo nos municípios
Hora de falarmos novamente nas Prefeituras e de seus novos ocupantes ou daqueles reeleitos para um novo mandato.
A
lei previa para o começo de agosto deste ano a entrega, por todos os
municípios do país, de seus planos de gestão de resíduos. Segundo o
Ministério do Meio Ambiente (MMA), por volta de 560 municípios, ou 10%
do total das cidades brasileiras, concluíram e entregaram esses planos.
Os municípios que perderam o prazo não terão direito a receber recursos
federais e renovar novos contratos com a esfera federal para o setor.
Essa questão ficou, portanto, para as novas administrações.
A
baixa adesão das cidades pode parecer simples descaso, mas conforme
pesquisa da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e
Resíduos Especiais (Abrelpe) com cerca de 400 municípios, o problema se
deve muito à falta de pessoal qualificado para atender aos requisitos
previstos na lei. Afinal, para quem achava que para cuidar do lixo
bastava um terreno grande para o seu envio e descarte, a lei veio para
colocar ordem e mudar um cenário cada vez mais criminoso e urgente. O
lançamento indiscriminado de materiais perigosos e contaminantes sem
cuidado ou tratamento compromete o futuro e a saúde das pessoas, entre
os seus principais e nefastos resultados.
O fim dos lixões até
2014 em todas as cidades brasileiras, será uma tarefa com enormes
dificuldades em se tornar realidade, se a maioria das cidades
permanecerem distantes dessa discussão. No lugar dos lixões, os resíduos
só poderão ser enviados para aterros sanitários. Mas a realidade atual,
segundo o Ministério do Meio Ambiente, é a de que ainda existem mais de
3 mil lixões no Brasil sendo que nada menos de que 60% dos municípios
do país despejam lá seus resíduos.
A união faz a força
Em
recente workshop realizado pelo Instituto Brasileiro de Administração
Municipal (IBAM), no Rio de Janeiro, diversos especialistas apontaram a
necessidade de se unirem esforços entre o setor privado e os municípios
para que a lei alcance os efeitos desejados. Capacitar gestores,
realizar um trabalho integrado de educação e conscientização ambiental,
garantir incentivos fiscais e justiça tributária para a cadeia de
recicláveis são algumas das tarefas a serem trabalhadas em conjunto.
Nesse último item, Mauricio Sellos, coordenador do Programa Jogue Limpo
que realiza a logística reversa na cadeia de lubrificantes, apontou
durante o workshop carioca, o apoio à indústria de reciclagem como
urgente e fundamental. “São necessários incentivos fiscais para a
cadeia, para quem faz a logística, para quem recicla e para quem consome
o material reciclável, do contrário, poderemos ter um volume grande de
material reciclado, mas não ter sua utilização” afirmou Mauricio.
Para
as cidades médias e pequenas, os especialistas apontam a formação de
consórcios como um bom caminho para a gestão dos resíduos. Assim, as
administrações municipais podem unir esforços para a montagem de seus
planos, reduzem seus custos, aumentam a escala na coleta de resíduos e
garantem melhores contratos com as empresas do setor, entre outros
benefícios.
Camilla Passarela Bortoletto, da Abrelpe, apontou que
um dos maiores gargalos na gestão de resíduos é o conhecimento técnico
sobre o assunto. A ausência de cultura de separação é outro fator
complicador na gestão de resíduos.
O Brasil produz 220 mil
toneladas de lixo domiciliar, o que representa mais de um quilo por
pessoa. Ao menos 90% de todo esse material poderia ser reaproveitado,
reutilizado ou reciclado. Apenas 1% acaba sendo aproveitado para ter um
destino mais nobre do que o de se degradar e contaminar o nosso
ambiente. Mesmo assim, mais de um milhão de pessoas trabalham e
sobrevivem da reciclagem desse lixo. Os especialistas calculam que o
Brasil deixa de ganhar ao menos R$ 8 bilhões por ano ao não reciclar
toda essa grande quantidade de resíduos gerados no país.
E o lixo continua a aumentar
De
acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, divulgado pela
Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos
Especiais (Abrelpe), a quantidade de resíduos sólidos gerados no Brasil
em 2011 totalizou 61,9 milhões de toneladas, 1,8% a mais do que no ano
anterior. Do total coletado, 42% do lixo acabaram em local inadequado.
O
crescimento na “produção” desses resíduos de 2010 para 2011 foi duas
vezes maior do que o aumento da população, que ficou em torno de 0,9% no
período.
O estudo revela também que, em 2011, foram coletados
55,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos. Sendo que 42% desses
resíduos foram parar em locais inadequados como lixões e aterros
controlados. E, ainda pior, cerca de 10% de tudo o que é gerado acaba
tendo destino ainda pior em terrenos baldios, córregos, lagos e praças.
Uma política para chamar de nossa
A
PNRS talvez seja uma das primeiras iniciativas que finalmente,
enxerguem o mundo como ele é, ou seja, redondo e finito! Afinal como
podemos viver e consumir imaginando que tudo, matérias-primas renováveis
ou não, possam ser utilizadas sem qualquer controle ou parcimônia, e
depois “jogadas fora”! Apesar de óbvios, foi preciso surgir situações
críticas na capacidade de armazenar lixo; casos gritantes de
contaminação de solo e água e a ocorrência de sérios problemas de saúde
pública. Isso tudo acompanhado de estudos apontando a redução
substancial e mesmo o esgotamento de reservas de matérias-primas
estratégicas, para concluirmos que esse estado de coisas não poderia
continuar do jeito que estava.
As cidades, as pessoas e o futuro comum
Toda
a sociedade, mas às administrações públicas particularmente, caberá
também a tarefa de levar as informações sobre a lei de resíduos para
todos os seus cidadãos.
Hoje, se os setores público e privado
avançam vagarosamente no conhecimento e na aplicação da lei, o mais
grave em todo esse processo está no desconhecimento dos brasileiros
quanto à discussão dessa nova e revolucionária política. Sem a
participação do consumidor essa equação não fecha! O cidadão é parte
integrante e determinante para a viabilização de todo o projeto.
É,
portanto, fundamental que as novas prefeituras façam todos os esforços a
seu alcance para levar às pessoas, informações sobre os objetivos da
nova política e os deveres e direitos nela embutidos.
O poder
público pode e deve contribuir, por meio da autoridade que lhe foi
investida pela população, para promover parcerias com todos os setores
da sociedade na implantação de projetos de educação ambiental em escolas
e empresas, acompanhadas de campanhas de esclarecimento, com o apoio e o
engajamento vital da mídia local. Tais ações vão contribuir
substancialmente para reduzir o abismo informativo entre a lei e a
população brasileira.
Reinaldo Canto é
jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do
Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista
da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na Fappes.
Fonte: Carta Capital.
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