Por Leonardo Boff
Era véspera de Natal. A neve caia lá fora leve…leve. Cobria já todos os
campos qual manto muito espesso. Aqui e acolá alguns ciprestes,
assustando o olhar. Para alguém como eu vindo dos trópicos, isso não
deixava de significar um espetáculo deslubrante. Era o meu primeiro
Natal fora da pátria. Um misto de melancolia e de saudade e ao mesmo
tempo de expectativa e de serenidade invadira a alma. Estava em
Berchtensgaden, pequena cidade no extremo sul da Alemanha. Uma das mais
soberbas paisagens dos Alpes bávaros, apenas maculada pelo nome de
Hitler que lá fizera construir no meio da montanha, um esconderijo que
nunca chegou a usar.
O conventinho franciscano do século XV, onde me hospedava, quase se
perdia no alvor da neve de 2 metros e a 15 graus abaixo de zero.Por
volta das 23 horas ouvi fortes rojões, vindos de todos os lados,
iluminando a neve que ficava azulada. Eram camponeses que desciam as
montanhas para participar da missa do galo. Em sua rude simplicidade era
a forma como convidavam as pessoas para a noite santa. Concelebrei a
missa, cantada por eles em dialeto bávaro. Vestidos com calças de couro
até os joelhos, largos suspensórios, grossas meias e pesados sapatões,
bem podiam ser os pastores de Belém. Quando tudo acabou, fez-se grande
silêncio. Pelas encostas e vales, viam-se luzinhas trêmulas andando.
Eram eles que "regressavam pressurosos, glorificando e louvando a Deus
por tudo o que tinham ouvido e visto", como rezam os textos sagrados.
Por volta de 1,30 da madrugada, soou a campainha do convento. Uma
velhinda estava à porta, envolta em grosso manto cinza. Segurava uma
lanterna acessa. Trazia pequeno pacote na mão. Apenas disse ao frade
porteiro: "É para o padrezinho (Paterle) estrangeiro que estava no
altar". Fui chamado. Entregou-me singelamente o pacote, todo enfeitado,
com breves palavras em bávaro: "O senhor está longe de sua pátria,
distante dos seus. Eis aqui este pequeno presente. Hoje, para o senhor,
também deve ser Natal". Apertou-me fortemente a mão e despareceu na
noite abençoada pela neve que caía com força.
Depois, no quarto, sozinho, enquanto ruminava imagens do Natal em casa
com a família de onze irmãos, bem ao estilo deste, mas sem a neve,
desfiz, com reverência, o pacote. Era uma grossa vela, vermelho-escura,
toda trabalhada, sobre um grosso suporte de metal.
Uma luzinha iluminou a noite da solidão. As sombras se projetavam
trêmulas e longas na parede envelhecida do convento. Não me sentia mais
só. Longe da pátria havia acontecido o milagre de todo o Natal: a festa
da fraternidade. Uma mulher anônima do povo compreendera a mensagem do
Menino que estremece de frio entre o boi e o asno. Fez do estranho um
próximo e do próximo um irmão.
Ainda hoje, após tantos anos, a vela natalina aguarda cada Natal na
estante entre os livros. Todos os anos, na noite santa, ela se acende. E
irá acender-se sempre. Ao iluminar, ela recordará uma noite feliz, na
neve, na solidão, na saudade. Ela recordará o gesto de dar que é mais
que o braço. Traz à memória o presentear que é mais que o dar. Ela
representa o Natal com tudo o que significa de humano e de divino.Esta
vela é mais que uma vela qualquer. Transformou-se num sacramento
natalino que brilha e age até hoje.
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