segunda-feira, 28 de abril de 2014

O futuro de nosso planeta depende de 58 pessoas


Embora para muitos tenha passado inadvertidamente, o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) publicou, no dia 13 de abril, a terceira e última parte de um informe no qual adverte sem rodeios que temos apenas 15 anos para evitar ultrapassar a barreira de um aquecimento global de dois graus. Além disso, as consequências serão dramáticas.

Somente os mais míopes não tomam consciência do que se trata: aumento do nível do mar, furacões e tempestades mais frequentes e um impacto adverso na produção de alimentos.

Em um mundo normal e participativo, no qual 83% das pessoas que vivem hoje ainda existirão dentro de 15 anos, esse informe teria provocado uma reação dramática.

Entretanto, não houve um único comentário dos líderes dos 196 países nos quais habitam os 7,5 bilhões de “consumidores” do planeta.

Os antropólogos que estudam as semelhanças e diferenças entre os seres humanos e outros animais há um bom tempo chegaram à conclusão de que a humanidade não é superior em todos os aspectos.

Por exemplo, o ser humano é menos adaptável à sobrevivência do que muitos animais em casos de terremotos, furacões e outros desastres naturais. A esta altura, eles devem manifestar sintomas de alerta e mal-estar.

O primeiro volume desse informe do IPCC, divulgado em setembro de 2013 em Estocolmo, estabelece que os humanos são a causa principal do aquecimento global, enquanto a segunda parte, apresentada em Yokohama no dia 31 de março, afirma que “nas últimas décadas as mudanças climáticas causaram impactos nos sistemas naturais e humanos em todos os continentes e em todos os oceanos”.

O IPCC é formado por mais de dois mil cientistas de todo o mundo e essa é a primeira vez que chega a firmes conclusões finais desde sua criação pelas Nações Unidas, em 1988. A principal conclusão é que, para deter a corrida rumo a um ponto sem volta, as emissões globais devem cair entre 40% e 70% antes de 2050.

O informe adverte que “só as grandes mudanças institucionais e tecnológicas darão uma oportunidade superior a 50%” para o aquecimento global não ultrapassar o limite de segurança, e acrescenta que as medidas devem começar, no mais tardar, em 15 anos, completando-se em 35.

Vale a pena assinalar que dois terços da humanidade têm menos de 21 anos e em grande parte são eles que terão que suportar os enormes custos da luta contra a mudança climática.

A principal recomendação do IPCC é muito simples: as principais economias devem fixar um imposto sobre a contaminação com dióxido de carbono, elevando o custo dos combustíveis fósseis, para impulsionar o mercado de fontes de energias limpas, como a eólica, solar ou nuclear.

Dez países são causadores de 70% do total da contaminação mundial de gases-estufa, sendo que Estados Unidos e China respondem por 55% desse total.

Ambos estão tomando medidas sérias para combater a contaminação.

O presidente norte-americano, Barack Obama, tentou em vão obter o beneplácito do Senado e teve que exercer sua autoridade sob a Lei de Ar Limpo de 1970 para reduzir a contaminação de carbono dos veículos e instalações industriais, estimulando as tecnologias limpas. Mas não pode fazer mais nada sem apoio do Senado.

O todo poderoso presidente da China, Xi Jinping, considera prioritário o ambiente, em parte porque fontes oficiais estimam em cinco milhões anuais o número de mortes nesse país em razão da contaminação.

Mas a China precisa de carvão para seu crescimento, e a postura de Xi é: “por que deveríamos frear nosso desenvolvimento, quando os países ricos que criaram o problema atual querem que tomemos medidas que atrasam nosso crescimento?”.

Dessa forma, cria-se um círculo vicioso. Os países do Sul querem que as nações ricas financiem seus custos de redução da contaminação e os do Norte querem que esses deixem de contaminar e assumam seus próprios custos.

Como resultado, o resumo do informe, que destina-se aos governantes, foi despojado das premissas que poderiam dar a entender a necessidade de o Sul fazer mais, enquanto os países ricos pressionaram para evitar uma linguagem que pudesse ser interpretada como a necessidade de eles assumirem as obrigações financeiras.

Isso deveria facilitar um compromisso brando na próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em Lima, onde se deveria alcançar um novo acordo global (lembremos o desastre da conferência de Copenhague, em 2009).

A chave de qualquer acordo está nas mãos dos Estados Unidos. O Congresso desse país bloqueia toda iniciativa sobre o controle climático, proporcionando uma saída fácil para China, Índia e o resto dos contaminadores: “por que devemos assumir compromissos e sacrifícios se os Estados Unidos não participam?”.

O problema é que os republicanos converteram a mudança climática em uma de suas bandeiras de identidade. A última vez que se propôs um imposto sobre o carbono, em 2009, depois de um voto positivo na Câmara de Representantes, controlada pelos democratas, o Senado, dominado pelos republicanos, o rejeitou.

Nas eleições de 2010, uma série de políticos que votaram a favor do imposto sobre carbono perderam suas cadeiras, o que contribuiu para que os republicanos assumissem o controle da Câmara.

Agora, a única esperança para os que querem uma mudança é aguardar as eleições de 2016 e esperar que o novo presidente norte-americano seja capaz de mudar a situação. Esse é um bom exemplo do que os gregos antigos diziam: que a esperança é a última deusa…

O quadro é muito simples. O Senado dos Estados Unidos tem cem integrantes, o que significa que bastam 51 votos para liquidar qualquer projeto de lei de imposto sobre os combustíveis fosseis.

Na China, a situação é diferente. Na melhor das hipóteses, as decisões são tomadas pelo Comitê Permanente do Comitê Central, formado por sete membros, que são o verdadeiro poder no Partido Comunista.

Em outras palavras, o futuro de nosso planeta é decidido por 58 pessoas de uma população de quase 7,7 bilhões de habitantes. 

Fonte:Envolverde/IPS
 Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS) e editor do Other News.


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