sexta-feira, 22 de março de 2013

O que se pode comemorar no Dia Mundial da Água?


Passam-se os anos e a pergunta é a mesma: no Dia Mundial da Água, o que há para se comemorar, uma vez que dados da ONU apontam que mais de 780 milhões de pessoas, em todo o mundo, ainda, não têm acesso à água potável?

Talvez precisemos refletir sobre como o crescimento populacional, de certo modo desconectado de um processo continuado de educação para o uso sustentável dos recursos naturais, além da morosidade nas políticas públicas de acesso a água de qualidade, tem remetido milhões de pessoas.

Existe uma curva crescente da população para o consumo dos recursos naturais e, na contramão, há uma curva decrescente da qualidade destes recursos naturais, principalmente da água enquanto fonte de vida.
Não se pode negar que hoje a temática de uso sustentável dos recursos naturais, com enfoque para a água como fonte de vida, está mais presente nas pautas de debate por todo o mundo. Talvez, pelo menos, isso se possa comemorar!

Mas também é verdade que há muitos chavões, muitos pronunciamentos em nome da sustentabilidade e poucas ações concretas para permitir acesso à água de qualidade, sobretudo para as populações mais sofridas.

Entretanto, avalio que, no semiárido brasileiro, muitas iniciativas vêm se materializando em políticas públicas de acesso à água de qualidade para populações de baixa renda. São iniciativas de organizações de apoio e de base, que, por meio da promoção do encontro de saberes locais, vêm estruturando as propriedades da agricultura familiar na busca da eficiência na captação e manejo de água da chuva destinada ao consumo humano, para dessedentar os animais, para a produção etc.

São iniciativas que geram empoderamento das famílias para melhor conviver com o fenômeno ocasionado pelas mudanças climáticas, que, particularmente no semiárido, provocam periodicamente grandes secas, ocasionando impactos de prejuízos incalculáveis nas vidas das pessoas, semelhante a que está sendo vivenciada desde o ano passado. São situações que precisam ser enfrentadas pelos agricultores e agricultoras de base familiar, que ainda não têm suas propriedades estruturadas com reservatórios para captação e manejo de água de chuva.

Para a convivência com esse fenômeno natural, a sociedade civil, por meio de organizações de apoio, a exemplo do Centro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS), da Articulação no Semiárido Brasileiro e das comunidades rurais, através de suas associações comunitárias, juntamente com o governo federal e/ou de agências de cooperação internacional, vem, ao longo dos anos, desenvolvendo um extenso cardápio de tecnologias sociais:

* cisternas de placa adequadas às especificidades físicas e climáticas dos territórios;
* sistemas de bombeamento adequados para inclusão de toda família no processo de gerenciamento;
* sistemas de captação de água de chuva em margens de estradas;
* cisternas de enxurrada;
* tanques de lajedo de pedra;
* cisternas-calçadão;
* sistemas de aumento da eficiência na irrigação;
* sistemas de qualificação da água para consumo humano;
* dispositivo para redução do desperdício no uso da água na produção;
* cisternas com sistemas de boias para lavagem do telhado;
* barragens subterrâneas etc

Essas tecnologias sociais são iniciativas voltadas para o desenvolvimento humano, extraídas a partir das potencialidades locais, ofertadas pela natureza e, a partir da interação entre o saber técnico e a promoção dos saberes locais, portanto, com pleno exercício da cidadania.

Além disso, há todo um trabalho de formação nas instâncias organizativas das comunidades, na implantação de mecanismos de governança coletiva, e os principais exemplos são os fundos rotativos solidários, uma espécie de poupança coletiva constituída a partir da devolução dos apoios recebidos, por parte das famílias, para um fundo coletivo, objetivando apoiar outras famílias ou outras demandas das famílias participantes.
Isso significa dizer que existem iniciativas que estão produzindo e compartilhado tecnologias sociais e estratégias viáveis e efetivas para convivência com a realidade ambiental do semiárido, criando oportunidades e gerando soluções para os desafios próprios da região, para que as populações locais possam se desenvolver sem precisar migrar para outros territórios.

Está existindo, de fato, uma abordagem de valorização, acima de tudo, humana, onde as pessoas são promovidas e provocadas a buscarem caminhos para superar os obstáculos ocasionados pelas mudanças climáticas, com efetiva participação. Isso sim é cidadania, por isso avalio que merece comemoração. São experiências que já estão em prática, mas podem muito mais ser compartilhadas com regiões semiáridas de todo o mundo, com possibilidades reais de adaptação e adequação ambiental, cultural e social.

Essa é uma parte importante que a sociedade civil organizada vem construindo e, portanto, merece destaque. Mas só isso não basta para se alcançar a sustentabilidade ou o que se pode denominar de segurança hídrica da região. São necessários vários investimentos, tanto para fortalecer o que a sociedade civil já vem desenvolvendo mas também para promover um processo de recuperação, desassoreamento dos grandes açudes e barragens, cujas capacidades estão extremamente comprometidas, a partir dos desmatamentos e do cultivo inadequado de atividades agropecuárias, enfim, de muitas iniciativas causadoras de impactos ambientais.

Há também a necessidade de investimento, com efetiva participação da sociedade civil, em programas de recuperação das nascentes de água, das matas ciliares, componentes estes fundamentais para a segurança hídrica da região, que, em decorrência de explorações inadequadas, tiveram seus sistemas desequilibrados.

Além disso, é necessário apropriar-se dos estudos das bacias e das sub-bacias hidrográficas para averiguar aonde ainda se suporta construir novos açudes e barragens que possam, nas grandes secas, como a que está sendo vivenciada no momento, alimentar a malha de tecnologias sociais de captação e manejo de água de chuva, de gestão difusa, que a sociedade civil vem construindo para o atendimento das necessidades das famílias que, também, têm seus limites, sobretudo, em grandes secas.

Faz-se necessário também aprofundar a possibilidade de interligação das bacias, dentro de uma visão integradora e com critérios de uso racional, sustentável, com profundo respeito ao meio ambiente, sobretudo para o atendimento das grandes massas de populações, através de adutoras e sistemas eficientes de abastecimento.

Mas só isso não basta! Os recursos naturais também têm seus limites, pois a população está crescendo! Portanto, há outra necessidade urgente. Trata-se da necessidade de investimento público massivo no processo educacional. O que está sendo construído no âmbito da convivência com a realidade semiárida ou mesmo no âmbito de abastecimento de outras regiões que não têm problemas como os do semiárido necessita urgentemente fazer parte dos currículos escolares. É necessário preparar caminhos para a sustentabilidade de futuras gerações a partir de uma estratégia de consumo sustentável, de consumo consciente dos recursos naturais. E a educação é o principal canal para esse processo.

José Dias é economista e fundador do CEPFS (Centro de Educação Popular e Formação Social).



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